Estresse Hídrico. Preços dos alimentos estão disparando devido às perdas no campo
A natureza, em consonância com a agricultura, “é uma cadeia onde um puxa o outro”. A frase da agricultora orgânica Roseli Fernandes, de São José do Sul, resume o complexo sistema esquecido pela humanidade, onde sua interferência errônea mostra reflexos diários. Depois de três anos consecutivos de estiagens, agora o setor Primário do Rio Grande do Sul sofre com o “estresse hídrico”, já sentido no preço dos alimentos na cidade.
O professor de Agrometeorologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ricardo Wanke de Melo, explica que o problema neste fenômeno está na “aeração” do solo, o que pode acarretar no afogamento de raízes. “Este estresse pode levar à morte da planta ou, dependendo da fase de desenvolvimento, um aborto de flores ou frutos”, referindo tanto a espécies anuais quanto às de ciclo curto.
Outro contraste curioso é a possibilidade da superprodução, mais especificamente com espécies perenes, como as frutíferas. “Esta resposta se deve ao fato de que a planta sente a morte iminente e investe o que pode no objetivo de perpetuação da espécie”, explica. Melo aponta que estes eventos, porém, dependem da duração do período de estresse hídrico, da condutividade hidráulica do solo (diretamente ligada à sua textura, estrutura e sequência de horizontes) e da profundidade do sistema radicular da espécie.
O professor explica que nos canteiros ou solos revolvidos este efeito é bem mais evidente, pois normalmente este não é tão bem estruturado quanto um solo natural. O apodrecimento em si, normalmente, ocorre após a morte da raiz por falta de aeração, levando à morte das plantas.
Safra da melancia comprometida
Por consequência, assinala o professor Melo, a alta umidade favorece ainda o surgimento de moléstias que atacam as raízes, com danos mesmo após o fim do excesso hídrico. Outro efeito é a queda na qualidade daqueles frutos produzidos ao nível do solo, como melancia e abóbora; sendo por danos fitossanitários, além da morte das plantas.
Inclusive, em Montenegro há relato negativo de plantadores de melancia, com o solo encharcado, impedindo seu preparo. Ao menos este problema não afetará a propriedade de Roseli e o esposo Paulo Vanderlei Maldaner, na localidade Linha Bonito Baixa, pois optaram em cultivar a melancia no topo de uma colina, favorecidos assim pela gravidade.
O especialista em Agrometeorologia alerta que outros cultivos terão queda de qualidade devido à falta de absorção dos nutrientes do solo, que é diretamente ligada ao bom estado das raízes. “Não apenas nos Citros, mas para qualquer pomar em implantação o estresse pode ser muito prejudicial”, assinala. Isto pode ocorrer porque as plantas ainda são jovens, com sistema radicular pouco profundo, fazendo com que não tenham opção de explorar camadas onde o excesso hídrico não é tão evidenciado.
Quanto aos citros em Montenegro, o secretário de Desenvolvimento Rural, Ernesto Kasper, tem informações de pomares com ocorrência de frutinhas morrendo logo depois da floração. “Porém, estes casos não estão implicando em perdas. Diferente de junho, onde a enchente afetou pomares em localidades”, explica.
Moranginhos são afetados por fungo
A situação é diferente nos pomares de citros de Roseli e Paulo, com queda das bergamotas tardias da Montenegrina, salvando poucas para indústria de suco. Também o efeito gerado pela umidade relativa do ar é percebido nos pés de laranja Valência, com as flores secando antes de botar frutinha. “É fungo! A umidade excessiva faz isso”, aponta a técnica social da Emater-Ascar/RS, Rogéria Flores.
Ela observa ainda outro efeito danoso dos dias de chuva, com as abelhas impedidas de saírem para polinizar. Tudo isso será sentido na safra de citros 2024, como alerta a secretária de Agricultura e Meio Ambiente de São José do Sul, Magali Lottermann. “A tendência é ser mais chuvoso até o final deste ano”, comenta.
Na propriedade há inclusive controvérsia em relação à morte pelas raízes, pois também os moranguinhos cultivados no sistema suspenso estão sendo perdidos. Semana passada o casal jogou fora três quilos da fruta, de um total de nove colhidos. Rogéria Flores explica que neste cenário se desenvolve o fungo “Botrytis Cinérea”, caracterizado por um pó que prolifera pelo ar.
Chuva atrasa preparo dos canteiros
Os dias de chuva intensa afetam a rotina dos agricultores da mesma forma que afetam as abelhas. Sem poder trabalhar a terra, Roseli e Paulo atrasram o plantio de hortaliças; enquanto as poucas alfaces e repolhos semeados não desenvolveram. Da mesma forma, mais de 1.000 pés de feijão, plantados há quase dois meses e que em outubro já deveriam finalizar o ciclo, não vingaram.
Estes são itens vendidos para a merenda escolar em São José do Sul, o que reforça a preocupação com o futuro. “Nunca vi tantos dias e tanta quantidade de chuva na minha vida”, revela Roseli, que se criou na lavoura. Adepta ao sistema orgânico, faz coro com Rogéria e Magali sobre tudo ser efeito das ações do “homem”. Agora, para ter alguma recuperação, os agricultores rezam por dias de sol constante.
Ceasa confirma efeitos na produção
O gerente técnico da Ceasa RS, Claiton Colvelo, confirma os efeitos negativos. Na Central de Abastecimento já são percebidas reduções na oferta e na qualidade de vários produtos, principalmente nas verduras, o que repercute no aumento de preços. Ele avalia que estes efeitos continuarão por algum tempo, visto que a adversidade climática não ocorre só na região Sul, com temperaturas elevadas no Sudeste e no Centro-Oeste do país, regiões que abastecem o Rio Grande no período frio. “O calor em excesso acelera o amadurecimento de vários produtos e proporciona a oscilação nos preços, que baixam por ocasião da abundância da oferta e sobem em seguida na sua escassez”, explica.
Colvelo reforça sobre as dificuldades para preparar a terra e plantar, atrasando algumas safras, como tomate, melancias, morangas. Todavia, as verduras, por ter ciclo mais curto, havendo restabelecimento do clima, tendem a normalizar. “Referindo aos cultivos gaúchos da época, tivemos várias ocorrências que vêm afetando as produções”, reitera. Nos citros as plantas sofreram com o período de seca do verão e no inverno também foram atingidas pelos primeiros ciclones extratropicais, havendo muitas perdas. Ocorreu queda de granizo em regiões da Serra, tendo atingido pomares de pêssegos, ameixas e nectarinas, e outros. Além das enchentes, também caiu granizo na Região Metropolitana, com prejuízos as hortaliças-folha. Grande parte das lavouras de cebola no Litoral Sul “São José do Norte, Rio Grande e Tavares” ficaram submersas, não havendo como precisar as perdas. Contudo, além do excesso de umidade do solo e relativa do ar, também a sequência de dias de pouca luminosidade prejudica mais ainda a produção das hortaliças. “O sol é fator primordial para o desenvolvimento das plantas e para evitar doenças fungicas e bacterianas”, finaliza.
8.000 caixas de Laranja do Céu no chão
No interior de Pareci Novo, o agricultor Aloísio Valdemar Kiihn avisou seu patrão em São Paulo que deverão ser perdidas até 8.000 caixas de laranja Do Céu. Os corredores entre 5.500 pés na propriedade em Despique estão cobertos por tapete verde e amarelo. Até o momento, são cerca de 5.000 caixas e um prejuízo ignorado.
“Tem muita laranja no chão! E o preço não está compensado”, alertou. O mercado estaria pagando R$ 40,00 pela caixa que em 2022 alcançou R$ 50,00. Outro diferencial para o ano passado é que aquilo que caiu naturalmente tinha valor para a indústria de suco. Mas após este inverno de chuva acima da média, a fruta cai mofada.
Pelo controle do produtor, neste setembro choveu 440 milímetros (mm) na comunidade, ante os 150 mm de 2022. Antes deste mês terrível, em julho já havia perdido em torno de 900 caixas de Umbigo. Acreditando que “o pior já passou”, lhe resta três semanas para colher as Do Céu com algum sucesso. É motivo de tranquilidade o fato das flores e broto de frutinha não terem sido afetadas.
Enquanto isso, o estouro é no bolso do consumidor, pois os atacados estão buscando laranjas em São Paulo com preço final de R$ 55,00/ caixa, o que projeta o quilo a mais de R$ 3,00 nos mercados. Kiihn lamenta que hora falte chuva e hora cai em excesso. Ainda assim concorda que a estiagem é menos prejudicial, pois, além de influenciar apenas mo tamanho da laranja, pode ser mitigada com irrigação.
Chuva até dezembro e no Verão
O Ibiá buscou informações com especialista a respeito do que esperar do tempo, e as informações da meteorologista da Climatempo Josélia Pegorim não são empolgantes. Segundo ela, o “El Niño” ganha ainda mais força na primavera e mais ciclones poderão se formar. Além disso, outros sistemas de baixa pressão atmosférica provocarão mais chuva sobre o Rio Grande do Sul.
“É preciso lembrar que a primavera é uma estação de eventos de chuva forte sobre o Sul, mesmo sem El Niño”, assinala. Os prognósticos apontam que o fenômeno de aquecimento das águas do Oceano Atlântico ainda vai ganhar força até o fim deste ano. Ainda mais preocupante, mais recentes análises dos principais centros de monitoramento do clima global apontam um enfraquecimento do El Niño apenas no outono de 2024.
“A Climatempo prevê que o RS ainda terá muita chuva ao longo da estação”, ressalta. Pegorim revela ainda que a chuva deve ficar acima da média histórica nos meses de outubro, novembro e dezembro; sendo que, com o grande volume de água que já caiu sobre o estado, outros eventos de cheias, inundações e complicações causadas pelo excesso de chuva devem ser esperados.