Sensíveis. Ameaça ao agente polinizador também é risco à produção de alimentos
Um caso recente de mortandade de abelhas em duas propriedades rurais de Montenegro lança luz sobre um fator essencial à agricultura: a importância das abelhas na polinização das plantações. Apesar de pequenas, de fato as Abelhas são gigantes na parceria com agricultores. E essa não é apenas opinião dos apicultores, como o jovem Gianmateu Schommer, de Maratá, uma das lideranças no movimento de conscientização. Estudos científicos confirmam que os ciclos produtivos da terra dependem das abelhas, inclusive a citricultura.
Técnico em Apicultura e professor desta ciência em eventos, cursos, palestras e consultorias, Gianmateu tem expertise para afirmar que as abelhas têm 40% de contribuição na polinização dos pomares de citros, percebido na robustez e firmeza da casca das laranjas e bergamotas. “E também têm relevância na força das frutas contra pragas e fungos”, acrescenta. Uma fruta que teve ótima polinização oferecerá maior relevância à planta, receberá mais nutrientes, sendo assim de maior calibre e peso. Uma cadeia harmônica de polinização e produção de mel.
Ainda falando em culturas no Vale do Caí, melão e melancia têm 100% de dependência da polinização feita por este inseto (família das Cucurbitáceas, que inclui ainda chuchu, pepino, abóboras e outras); enquanto o morango tem 50% de dependência deles.
Também a monocultura de soja reconheceu esta importância, ao perceber 17% de crescimento na colheita em locais onde há colméias, diretamente relacionado ao peso do grão. E quando se fala em tudo o que vai à mesa da população mundial, esta contribuição alcança 80% da produção de alimentos.
Homem mata abelha e depois aluga colméias
Outra fruta aqui do Rio Grande do Sul é a maçã, que depende 100% de abelhas para produzir. E atualmente, pela falta de abelhas nas regiões, os agricultores estão tendo que alugar colmeias de outros estados para efetuar a polinização e poder produzir. “Na velocidade da mortandade de abelhas que está acontecendo, logo essa será também uma realidade no Vale do Caí, se não houver a conscientização” alerta.
Nos pomares de maçã da região serrana entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina há uma estimativa de 30.000 colmeias alugadas por temporada, somando gasto aproximado de R$ 3 milhões ao ano. Um ciclo no qual o homem mata as abelhas com uso de agrotóxicos e depois aluga aquilo que a natureza perfeita dava de graça. “Em 2018, o Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil estimou que estes polinizadores contribuíram economicamente com o valor de R$ 43 bilhões para a agricultura brasileira. As abelhas representaram 66% das espécies polinizadoras deste estudo”, ilustra Gianmateu.
Trabalho discreto precisa ser valorizado
Talvez a maioria dos citricultores até perceba abelhas revoando no pomar; mas não tem a noção de sua importância na formação dos frutos. “e só acontece com a polinização cruzada feita pelas abelhas”, defende Schommer. Ele confirma que a flor do citros também se poliniza com a ação do vento e outros fatores naturais; porém, quando há a ação de abelhas, o rendimento e os benefícios são muito maiores.
Todavia, há mais ganhos de qualidade quando uma abelha pousa na flor de uma planta, se envolve de pólen e voa para a flor de outra árvore, fazendo a polinização cruzada. Há um gasto enorme em tecnologias de adubação, análises de solo e manejo da planta; porém, os produtores esquecem-se da abelha, e de seu poder de aumentar a produção.
Abelhas brasileiras
Africanizada = Mais conhecida e maior produtora do mel e derivados consumidos. A europeia foi introduzida no Brasil por imigrantes europeus em 1834, passando por cruza com africanas por volta de 1958. Surgiu então uma abelha única no mundo, que participa de 80% da polinização das culturas agrícolas de interesse econômico dependentes.
Nativas (sem ferrão) = São centenas de espécies naturais das diferentes regiões do Brasil. Algumas são muito pequenas. Também têm contribuição muito grande sobre as culturas agrícolas de interesse econômico dependentes de polinização, mas em especial no ciclo de vida das matas nativas e ciliares.
Os inimigos que vêm pelo ar
O técnico em apicultura questiona o argumento de que a aplicação de venenos não interfere na vida das abelhas. Inseticida, fungicida e herbicida têm ação de morte individual e coletiva sim nas colmeias. “Este é um ser muito sensível”, reforça. Uma colmeia pode ser atingida há dois quilômetros, que é a distância que as abelhas voam para a coleta de néctar e pólen. Este dado amplia a importância em os criadores mapearem os locais de criação e cadastrarem as colmeias na Inspetoria Veterinária, para proteção e possíveis processos de indenização para quem descumprir regras.
Os agricultores não precisam parar de usar os defensivos, mas devem seguir as boas práticas de aplicação. A primeira é não realizar o processo em dias de vento, evitando que o veneno seja levado para propriedades vizinhas. Deve ainda realizar a partir do final do dia, onde as abelhas param de coletar e voltam para a colmeia; e observar a regulagem dos “bicos” do pulverizador, evitando dosagem em excesso e acúmulo nas plantas. Na aplicação de qualquer tipo de agrodefensivo deve-se observar as flores do entorno. Exemplo prático é o Nabo Forrageiro entre as linhas da citricultura, onde os agricultores aplicam secante para manter limpo e, frequentemente, há abelhas visitando.
Os efeitos dos agrodefensivos
Inseticida = Mata por ação sistemática. A abelha se infecta ao pousar em uma flor contaminada, levando consigo o veneno que pode matar toda a colmeia.
Fungicida = Sem este elemento natural, as abelhas não conseguem transformar pólen em proteína para consumo, matando os filhotes da colmeia de fome. Fungos fazem a fermentação do pólen reservado; e, em algumas espécies nativas, são usados para criação de machos. A colmeia acaba diminuindo, até morrer por completo pelo curto ciclo de 45 dias de vida de uma abelha.
Herbicida = Desorienta a abelha, de modo que não consiga retornar à colméia, que morre de fome ao não ter o retorno das operárias com o pólen e o néctar.
40 colméias morrem por Fipronil
Na semana do Natal houve uma mortandade de abelhas – livres e de criação – na divisa entre as comunidades de Vitória, em Maratá; e Santos Reis, em Montenegro. Cerca de 40 colmeias de dois apicultores foram encontradas mortas. O Ibiá conseguiu conversar apenas com o casal Sérgio Luis e Nara Elizete da Rocha, ambos de 56 anos e moradores de Gravataí. De suas 10 caixas de Africanizadas, oito foram perdidas e as duas restantes dão sinal sequelas.
“Fui ver e tinha um bolo de abelhas mortas na frente de cada caixa”, descreve. Ele explica que o instinto de sobrevivência faz o inseto saudável expulsar aquele que está doente, o que explica todas no chão. Ele recorda ainda que o primeiro sinal que teve naquele dia foi o desaparecimento de uma colmeia que estava em poste de luz na Estrada de Montenegro. O vizinho somente comprovou sua perda após o alerta Rocha.
“Fizemos análise das abelhas e foi constatado uso de Fipronil, um poderoso inseticida que é responsável pela morte de abelha no País inteiro”, revela. O casal acredita que foi um acidente, mas não com uma nuvem de veneno tendo sido levada pelo ar. “Parece que usaram o veneno misturado com alguma coisa doce misturada”, avalia Nara, supondo que a intenção era atrair a mosca causadora da “pinta-preta”.
Polinização dos citros é comprovada pela ciência
Muitos artigos científicos comprovam o quão fundamentais são as espécies de abelhas no campo. Em deles pode ser encontrado no site abelha.org.br, artigo produzido pela Associação Brasileira de Estudos das Abelhas, em colaboração com a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados.
O texto afirma: “tangerineira é um cultivo essencialmente dependente da visita de insetos polinizadores, principalmente as abelhas, para a fecundação das flores”. O trabalho que reúne diversas referências bibliográficas assinala que, se todo um pomar fosse isolado e suas flores não recebessem visitas de seus polinizadores, haveria uma redução de mais de 90% na produção de citros.
O sistema é simples e ensinado nas escolas! Ao visitarem as flores, as abelhas realizam a transferência de pólen (que contém o gameta masculino) de uma flor até a parte feminina de outra, o que garante a fecundação e a consequente formação do fruto. Isso reforça a máxima de que “Abelhas são gigantes na parceria com agricultores”.
Um exemplo de variedade que se beneficia da polinização cruzada realizada pelas abelhas é a Murcott, variedade que é hibrido entre bergamota e laranja. Até é possível que sua produção aconteça por autopolinização. Mas quando suas flores são polinizadas pelo pólen proveniente de árvores da variedade Ponkan ou de laranjeiras ‘Pera Rio’, há um incremento no número médio de frutos fixados.