O evento não tem data fixa, mas, para os cristãos de várias denominações, é a data mais importante do ano
Hoje é Sexta-feira Santa, uma das celebrações da Páscoa. Mas, afinal, o que é, o que representa e como surgiu essa festa? Em resumo, a Páscoa mais conhecida é a celebração da igreja cristã em homenagem à ressurreição de Jesus Cristo, com origem nas tradições judaicas. As comemorações começam na “Sexta-feira Santa”, quando é relembrada a crucificação de Jesus, e são encerradas no domingo, com a celebração da ressurreição e o reaparecimento aos seus discípulos.
O dia da Páscoa foi estabelecido por decreto do Primeiro Concílio de Nicéia, realizado em 325 d.C, devendo ser celebrado sempre no domingo após a primeira lua cheia do equinócio da primavera, no Hemisfério Norte, e outono, no Hemisfério Sul – nosso caso. Por isso, normalmente ocorre entre os dias 22 de março e 25 de abril. Diferente do Natal, a Páscoa, mesmo celebrada em diversos países, diferencia-se na forma, nos cultos e simbolismos culturais, que variam bastante de um povo para outro.
A Páscoa original adquiriu novo significado com Cristo
O termo Páscoa surgiu a partir da palavra hebraica “pessach”, que significa “passagem”. O teólogo Eduardo Kauer, de 47 anos, destaca que, para os israelitas mencionados na Bíblia, significava o fim da escravidão no Egito e o início da libertação do povo (marcada pela travessia do Mar Vermelho, que foi aberto para a “passagem” dos ex-escravos, liderados por Moisés em direção a uma terra prometida). A narração está no capítulo 14 do livro Êxodo, na Bíblia. “Essa é a Páscoa que deu origem ao evento que o cristianismo celebra hoje. Claro que, a partir da obra de Jesus Cristo, o foco central da festividade se tornou o próprio ‘salvador’”, comenta.
As famílias judaicas ainda se reúnem para o “Seder”, que é um jantar especial feito em família ao longo de oito dias. Além do jantar, há leituras religiosas nas sinagogas, templos frequentados pelos judeus.
Eduardo destaca que, atualmente, para os cristãos, a Páscoa é a passagem de Jesus Cristo da morte para a vida eterna, ou seja, a ressurreição. “Essa é a festa mais importante da igreja cristã. Antigamente, no Hemisfério Norte, a celebração da Páscoa era marcada com o fim do inverno e o início da primavera, o que também proporcionou a inclusão de alguns símbolos que permanecem até hoje na cultura cristã”, diz.
O padre Ricardo Nienov, de 37 anos, destaca o novo significado da Páscoa após a vinda de Jesus. “Antigamente, esse tempo era separado para lembrar a maravilha que foi ser liberto da escravidão no Egito. Com a entrega de Cristo na cruz, passamos a comemorar a possibilidade de sermos livres da escravidão do pecado, vivendo uma nova vida com Jesus”, acrescenta.
Para o pastor luterano Dério Milke, de 33 anos, é o momento auge para se lembrar da ressurreição de Jesus. Para definir de forma melhor, ele cita um dos textos de Paulo na Bíblia. “É como está em 1 Coríntios 15.17 ‘E, se Cristo não foi ressuscitado, é vã a nossa fé, e ainda estais nos vossos pecados’. Então o grande acontecimento desse evento é o fato de Jesus ter vencido a morte e nos proporcionado a possibilidade da vida eterna”, aponta.
Como era a Páscoa nos tempos bíblicos?
Deus deu instruções de como os israelitas deveriam celebrar a primeira Páscoa, ainda em território egípcio. A Bíblia dá alguns detalhes. Vale lembrar que, como Jesus era descente de judeus, participou desta cultura. Confira:
Sacrifício: No dia 10 de abibe (mês judaico que equivale a um período entre março e abril do calendário romano), as famílias escolhiam um cordeiro (ou cabrito) de um ano de idade, que seria abatido no dia 14 do mesmo mês. Na primeira Páscoa, os judeus passaram um pouco do sangue do animal nas laterais e na viga superior da entrada de suas casas, assaram o animal inteiro e o comeram. Referência: Êxodo 12:3-9.
Refeição: Além do cordeiro (ou cabrito), os israelitas comiam pão sem fermento e ervas amargas. Referência: Êxodo 12:8.
Festa: Logo depois da Páscoa, os israelitas celebravam a Festividade dos Pães sem Fermento por sete dias. Durante esse tempo, eles não podiam comer pão com fermento. Referência: Êxodo 12.17 a 20 e 2 Crônicas 30.21.
Cultura: Os pais aproveitavam a Páscoa para ensinar seus filhos sobre Deus e sua aliança com a nação de Israel. Referência: Êxodo 12:25-27.
Viagens: Tempos depois, os israelitas viajavam até Jerusalém para celebrar a Páscoa, já que o local passou a ser considerado santo por ser onde a arca da aliança e o templo ficavam. Referência: Deuteronômio 16.5 a 7 e Lucas 2.41.
Peixe ou churrasco? Tanto faz
Já pensou no cardápio de hoje? O problema é que não se pode comer carne com sangue. Mas de onde vem essa ordem? Na verdade, é difícil localizar a origem desta tradição. Nos primeiros séculos do Cristianismo, o papado incentivava a abstinência de carne e relações sexuais nos dias da Quaresma (40 dias que antecedem a Páscoa), principalmente na sexta, mas no intuito de jejuar, uma forma de padecer com Jesus. O certo é que não há, na Bíblia, nenhuma norma ou referência que incentive o consumo de peixes, a prática de jejum ou uma pausa na relação sexual dos casais nesta época do ano.
Por outro lado, é fácil compreender a jogada comercial que expandiu a prática: na virada do século XV para o XVI, o Vaticano financiava boa parte das grandes expedições marítimas e acabou se associando a vários reis e rainhas católicos, em particular na Espanha e em Portugal. Na época, a Igreja Católica romana decretou que, em reconhecimento ao sofrimento de Cristo, os fiéis não poderiam consumir carnes “quentes” ou “vermelhas” durante a Quaresma. É valido lembrar que, historicamente, o Vaticano, nessa época, era proprietário da maior frota bacalhoeira (caravelas para a pesca do bacalhau) e barcos a remo. E durante séculos, até a Segunda Guerra Mundial, o bacalhau era considerado comida de pobre, ou seja, bem barato. Uma carne branca e de fácil acesso certamente resolvia os problemas culinários dos fiéis.
O padre Ricardo diz que não há nenhum problema na hora de fazer as refeições. “O que eu sempre oriento, se a pessoa quer de fato celebrar de um modo especial a data, é o jejum. Mas, quanto ao consumo, não há diferenciação nem espiritual nem religiosa. É uma tradição que foi impulsionada pelo comércio”, declara.
O pastor Dério também afirma que não há problema algum quanto às refeições de sexta, sábado ou domingo. Ele explica que não há uma restrição clara na Bíblia para o consumo de carne e ainda lembra que, no Antigo Testamento, o povo foi orientado a comer cordeiro assado na celebração pascal. “Essa tradição se encaixa naquele mesmo entendimento já ultrapassado de que devemos sofrer da mesma forma que Jesus sofreu. Ele já se entregou por nós para que o nosso sofrimento diminuísse, então é uma cultura que não tem embasamento biblico, apenas cultural, no sentido de querer mostrar que está fazendo algo”, declara.
Sendo assim, tanto comendo um bom peixe como um suculento churrasco ou então fazendo jejum em consagração a Deus, não há quebra de nenhum dos mandamentos bíblicos. Vale lembra do que Jesus mesmo pronunciou em Mateus 15.11: “Não é o que entra pela boca que contamina o homem; mas o que sai da boca, isso é o que o contamina”.
OS PRINCIPAIS SÍMBOLOS DA PÁSCOA
Ovos simbolizam ressurreição
De todos os símbolos, o ovo de chocolate é um dos mais apreciados pelas crianças. Nas culturas
pagãs, o ovo trazia a ideia de um começo de vida. O costume era presentear os amigos com ovos, desejando-lhes boa sorte. A cultura chinesa tem na distribuição de ovos coloridos entre amigos, na primavera, uma referência à renovação da vida. Existem muitas lendas sobre os ovos, sendo que a mais conhecida delas é a dos persas, que acreditavam que a terra havia caído de um ovo gigante e, por este motivo, os ovos tornaram-se sagrados.
O teólogo Eduardo Kauer conta que os cristãos primitivos do Oriente foram os primeiros a dar ovos coloridos na Páscoa, simbolizando a ressurreição, ou seja, o nascimento para uma nova vida. Nos países da Europa, costumava-se escrever mensagens e datas nos ovos e doá-los aos amigos. Na Armênia, decorava-se ovos ocos com figuras de Jesus e de outros personagens biblicos. Pintar ovos com cores da primavera, para celebrar a Páscoa, foi um costume adotado pelos cristãos, no século XVIII.
A substituição dos ovos cozidos e pintados por ovos de chocolate pode ser justificada pela proibição do consumo de carne animal, por alguns cristãos, no período da Quaresma. A versão mais aceita é a de que o surgimento da indústria do chocolate, em 1830, na Inglaterra, impulsionou um novo – e doce – hábito.
Coelho significa multiplicação
Por sua grande fecundidade, o coelho tornou-se um dos símbolos populares da Páscoa. Entretanto, não há uma aceitação no meio religioso, com exceção de algumas denominações entre os séculos IV e X, que tinham o animal como um representante da Igreja. “O Coelho gera muitos filhos e o papel do cristão é divulgar a Palavra de Deus a todos os povos, gerando muitos discipulos”, compara Eduardo.
Para o Padre Ricardo, a figura do coelho é apenas mais um símbolo que não merece muito destaque nessa data. “Apesar de ser uma figura que ganhou muita fama, pelo comércio, não devemos, de forma alguma, colocá-lo no centro, lugar que pertence a Jesus, nosso salvador”, conclui.
O pastor Dério também acredita que o “coelhinho” não é um símbolo que mereça muita atenção, mas destaca a projeção que ele ganhou e o perigo que isso gera. “Nós não podemos demonizar tudo. Essa é uma imagem que já faz parte da cultura e que chama a atenção principalmente das crianças. Mas é essencial que se fale das obras de Jesus”, diz.
Cordeiro e a aliança com Deus
O cordeiro é um dos símbolos mais antigos da Páscoa e fez parte da aliança feita entre Deus e o povo judeu. A festa inicialmente era celebrada com os pães ázimos (sem fermento) e com o sacrifício de um cordeiro como recordação do grande feito de Deus em prol de seu povo: a libertação da escravidão do Egito. Assim, o povo de Israel celebrava a liberdade e a aliança de Deus com seu povo.
Para os cristãos, o cordeiro é o próprio Jesus (cordeiro de Deus) que foi sacrificado na cruz pelos pecados de toda a humanidade. Essa é descrita como a nova aliança de Deus realizada por Seu Filho, não mais com um povo, mas sim com todos os povos. O padre Ricardo afirma que, esse sim, é um dos símbolos mais destacáveis. “Na verdade, a Páscoa é um momento para que os cristãos reflitam em tudo que Jesus fez por nós: em sua vinda, sua humildade, sua entrega na cruz, suas promessas, sua ressurreição, entre tantas outras coisas. Não é um simples feriado, mas sim um tempo de reflexão”, propõe.
O pastor Dério lembra ainda que o animal é muito citado na Bíblia, principalmente no Antigo Testamento. O cordeiro era usado nas celebrações com a exigência de que fosse o mais puro possível. “É um símbolo que retrata aquilo que Deus nos mostra desde o Gênesis: primeiramente, ele era sacrificado pelo povo que, dessa forma, pagava pelos seus pecados. Já Jesus é chamado Cordeiro de Deus por ser o Filho enviado para salvar a humanidade”, resume.
Pão e vinho
Biblicamente, o pão e o vinho, sobretudo na antiguidade, foram a comida e a bebida mais comum para os povos. O ato mais conhecido e repetido simbolicamente entre cristãos, acontece quando Jesus ofereceu o pão e o vinho aos seus discípulos, narrado em Lucas 22, nos versículos 19 e 20: “E tomando o pão, e havendo dado graças, partiu-o e deu-lho, dizendo: isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente, depois da ceia, tomou o cálice, dizendo: este cálice é o novo pacto em meu sangue, que é derramado por vós”. Vale lembrar que a páscoa judaica lembra a passagem dos judeus pelo mar vermelho, em busca da liberdade, enquanto a celebração cristã traz a lembrança a jornada de Jesus: vida, morte e ressurreição.
Eduardo aponta que a celebração com o pão e o vinho fazem parte dos pontos mais importantes da última ceia de Jesus com seus discípulos, mas lembra que Cristo era descendente de família judia, foi circuncidado no oitavo dia (tradição judaica) e provavelmente celebrou a Páscoa conforme a cultura judaica da época. “A Biblia cita que os seguidores preparam a ceia, que certamente era composta de vários alimentos e talvez outras bebidas também, mesmo sendo o vinho a mais tradicional na região”, afirma.
O padre Ricardo também acredita que Jesus participou de uma ceia aos moldes judaicos, igual ou bem parecido com os ordenados em Êxodo 12. “O Senhor ordenou que eles sacrificassem um cordeiro ou cabrito macho sem defeito no décimo quarto dia do mês de Abibe (primeiro mês do calendário judaico, que fica entre março e abril pelo calendário romano), e espargisse o sangue do cordeiro nos umbrais e no alto dos batentes das portas de suas casas. Eles deveriam comer a carne do cordeiro assada no fogo, acompanhada de pães asmos e ervas amargas. Essa foi a primeira Páscoa”, conta.
Para o Pastor Dério, além de outros alimentos, provavelmente outras pessoas, como as serviçais da casa, também participaram do momento. Entretanto o texto cita os acontecimentos mais importantes. “Não é possível afirmar o que as escrituras não dizem, portanto é necessário compreender que no momento da partilha, Jesus usa o pão e o vinho como instrumentos, simplesmente para termos uma noção física do que acontece no mundo espiritual e vale levar em consideração que tanto o trigo quanto o vinho eram muito valiosos na época”, comenta. Ele cita ainda a passagem de Lucas 24.13-53, que narra o encontro de Jesus, já ressurreto, com dois de seus seguidores. “Eles o reconhecerem como mestre no partir do pão”, declarou, destacando os versículos 30 e 31 da passagem.
Círio Pascal
Trata-se de uma grande vela que é acesa na igreja (principalmente na Católica), no sábado que antecede o domingo de Páscoa. De acordo com o padre Ricardo ele simboliza que “Cristo é a luz dos povos”. Nesta vela, estão gravadas as letras do alfabeto grego”alfa” e “ômega”, com a intenção de declarar que Deus é o princípio e fim, com base em Apocalipse 1.8: “Eu sou o Alfa e o Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, e que era, e que há de vir, o Todo-Poderoso”.