Artistas. De suas salas saem talentos que apresentam Montenegro ao mundo
Um legado de valores humanos é a melhor forma de confirmar uma trajetória profícua. E neste dia 7 de junho, os 50 anos da Fundação Municipal de Artes de Montenegro são validados pelo sucesso de artistas que “nasceram” em suas salas. A instituição é uma riqueza do Vale do Caí, que faz o mundo voltar seus olhos a esta fonte de talentos.
Inclusive no concerto desta noite, a Orquestra Montenegro terá três solistas ex-alunos. Um deles é o violoncelista Hugo Pilger, doutor de violoncelo da Unirio (Universidade do Rio de Janeiro), primeiro violoncelista da Petrobrás Sinfônica, músico de destaque nacional. Morador de Taquari, teve na Fundação uma segunda casa.
“A Fundarte foi uma instituição que me acolheu de uma forma muito interessante”. Com essa frase, praticamente, resume a essência dos 50 anos. Mesmo no interior de sua cidade natal, ouvia falar a respeito da escola de música na região vizinha. Aos 16 anos e tocando violão com habilidade, embarcou no ônibus que cruzava a comunidade de Pinheiros em direção a Montenegro.
Sua intenção era aprender a ler partitura e aperfeiçoar a técnica no instrumento popular. Mas, chegando na escola, viu o professor de violoncelo Milton Bock fazendo uma demonstração, e este o convidou para conhecer o instrumento. Depois de surpreender com acordes de iniciante, ganhou bolsa de estudo e um violoncelo para começar seus estudos.
O fator “distância de casa” pesou na escolha, mas depois se tornou irrelevante; dando lugar à expertise e à fraternidade. “Hoje concluo que tive muita sorte de ter uma instituição como a Fundarte, relativamente perto”.
Pilger recordou da professora de piano Elda Maria Pires, que deixava-o usar metade de seu armário para guardar o colchonete e um ‘pote de mel’ para as refeições. Esse acolhimento permitiu que o filho de agricultores morasse dentro da escola e seguisse seu sonho. O músico destaca ainda o carinho de todos os funcionários, que também fizeram o menino vindo do interior se sentir em casa.
Qualidade daqui abriu portas no Sudeste
Em dois anos de estudo (1985 e 1986), Pilger recebeu conhecimento alicerçado na paixão contagiante dos professores. Tanta qualidade fez o músico ser cobiçado pela Orquestra do Teatro São Pedro, quando ainda tocava na Camerata da Fundarte. Mas uma questão familiar o levou ao estado do Espírito Santo, em 1987.
Em janeiro daquele ano, foi convidado a ser aluno de Marcio Malard – primeiro violoncelo da Orquestra Sinfônica Brasileira – no Rio de Janeiro; e, em pouco tempo, ser o primeiro violoncelo da Sinfônica do Espírito Santo. Ele ingressa na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) em 1991, onde se formou com nota máxima. “Provavelmente, quando saí da Fundarte, eu já teria nível para entrar em uma faculdade”, define.
Pilger ressalta o valor da Fundação ao Vale, que não deve ser medido em dinheiro. “Cultura é um item importante para definir uma sociedade, sua identidade”, explica. Neste cerne está a valorização das pessoas e seu talento, estimulando a criatividade ao proporcionar contato com grandes obras e compositores.
Fundarte é um privilégio aos montenegrinos
Hoje será o terceiro Conserto da Orquestra Montenegro. No segundo, abrindo a programação dos 150 Anos do Município, teve também a participação de um dos muitos filhos ilustres da Fundarte, o acordeonista e pianista Matheus Kleber.
Ele é um típico morador do Vale. Por parte de pai é da família Kleber, da comunidade Pinheiro Machado; e de parte de mãe é dos Fetzner, de Brochier. Tem também aquele toque forasteiro, pois até os 5 anos morou em Palmares do Sul. “Com certeza, meu ingresso na música foi estimulado e facilitado por ter morado há menos de duas quadras da Fundarte”, confirma.
O artista comenta que apenas anos mais tarde, quando já estava na UFRGS, teve consciência deste privilégio, que lhe concedeu rica e sólida formação musical. Kleber afirma que aprendeu a ler música com 7 anos, antes mesmo de estar alfabetizado. Sua carreira, com participação em mais de 80 discos, especialmente de música nativista, é alicerçada nas diversas vivências dentro da Fundação.
“Desde pequeno cantei no coral infantil e juvenil, regido pelas professoras Elizabeth Hack e Sandra Rhoden”. Ele recorda ainda da teoria musical com Nisiane Franklin, Júlia Hummes e Alexandre Birnfield; e das aulas de piano com Adriana Bozzetto. “E claro, não poderia deixar de mencionar meus professores de acordeon, Luciano Rhoden, meu padrinho musical e de batismo; e posteriormente o Adriano Perch”.
Fundarte democrática e inclusiva
Mateus Kleber não hesita para afirmar que seu ingresso na faculdade e sua carreira profissional foram consequência de todas estas vivências que teve na Fundarte. “Atualmente, como forma de retribuição, sou professor desta instituição e me esforço ao máximo para que os alunos e alunas possam ter uma formação, ao menos, parecida com a que tive”, declara.
Adulto, o gaiteiro botou o pé na estrada e, nessas andanças pelo Brasil, sempre encontra artistas que conhecem a Fundação de Artes e que participaram de edições dos seminários nacionais Arte e Educação. “Sempre que isso ocorre, me encho de orgulho e fico muito feliz, pois me faz lembrar que sou da Cidade das Artes”.
Matheus Kleber ressalta ainda a Fundarte cosmopolita e democrática; onde conviveu com diferentes tipos de arte e com pessoas de crenças distintas. Ganhou irmãos de diferentes raças e compreendeu que nem todos possuem a mesma orientação sexual.
Primeiro conjunto e o “Ritamóvel”
O acordeonista recorda que, dentre as vivências que lhe foram proporcionadas, a mais rica foi a prática de música em conjunto. Experiência da qual nasceu “Os Bombachas”, banda que, com apenas 8 anos, formou ao lado de Guilherme Haupenthal, atual baterista da banda Os Atuais (tocava guitarra); Cristiano Lima, baixista da banda Brilhasom (era teclado) e Paulo Ricardo Cappra Júnior na percussão.
Anos mais tarde, formaram o grupo “Talento Jovem”, coordenado pela professora Celiza Metz. “Ela nos levava para as apresentações com o seu Chevette, que era carinhosamente apelidado de Ritamóvel, devido à semelhança da professora com a cantora Rita Lee”. Nesta nova jornada ganharam as parcerias musicais de Carlos Krahl, trompetista da banda Hoppus; Lucas Caetano e Túlio Farret.
Dentro da Fundarte, acumulou ainda expertise do Conjunto Instrumental e da Camerata, período no qual escreveu seus primeiros arranjos e composições. “Ou seja, tive um excelente laboratório para experimentar e aprender o que melhor soava em cada um dos instrumentos”.
Um nome para essa história
“Serei eternamente grato à Therezinha Petry Cardona, a principal responsável em tornar este sonho uma realidade…”. “Montenegro tem que se orgulhar pela Fundarte; e por ter pessoas como a Therezinha Petry Cardona, que é uma incansável, instigadora da arte. E eu devo muito a ela também…”. As frases, respectivamente de Matheus Kleber e Hugo Pilger, definem a importância desta personalidade para o Município.
Sem serem questionados e respondendo separadamente, ambos exaltaram a figura da primeira diretora da Fundação. Não por acaso, o Teatro da instituição carrega seu nome, eternizando seu legado à arte em Montenegro.
Therezinha recorda da reabertura promovida pelo prefeito Roberto Atayde Cardona, seu esposo, e brinca que a pressão doméstica também foi fundamental. Ela e outra professora de piano receberam quatro salas na antiga cadeia (porão da atual Secretaria de Obras); e já começaram a planejar a ampliação do então Conservatório.
Vendo o sucesso de hoje, avalia que é o resultado de uma sequência de fatos, vontade de crescer e oportunidades. “E certa teimosia, que se precisa ter para não desanimar no meio do caminho”, afirma, sem esquecer-se do apoio incondicional dos montenegrinos. Inclusive, salienta que o futuro está alicerçado nesta parceria com a comunidade.
Therezinha salienta que os próximos 50 anos já começaram, com a liderança de Julia Hummes; e com Montenegro tendo novamente uma Orquestra. Ela reforça a importância da Fundação ao levar o nome de Montenegro pelo mundo. “Os montenegrinos devem ter orgulho. Isso aumenta a autoestima e o amor pela cidade”, declara. (entrevista no QR Code)
No ritmo da persistência
A data de 50 anos marca a reabertura do então “Conservatório de Música de Montenegro”. Foi criado em 1910, teve um primeiro período de paralisação, e foi retomado em 1959, na gestão do prefeito Hélio Alves de Oliveira. Há 50 anos a retomada das aulas de arte foi iniciativa pelo prefeito Roberto Atayde Cardona; sendo sua esposa, a professora e pianista Therezinha Petry Cardona, a primeira Diretora Executiva (1973 a 2000). A partir da abertura, iniciaram-se as atividades com aulas de piano e de teoria musical, em quatro salas da antiga ‘prisão municipal’. Em 1º de outubro de 1984 foi criada a Fundação Municipal de Artes de Montenegro – Fundarte, instituição pública de direito privado, sem fins lucrativos.
Mais de uma maneira para dançar e encantar
Na programação de aniversário da Fundarte está o espetáculo Fantasia, inteiramente coreografado e encenado por professores e alunos do Curso Básico de Dança. Entre os inúmeros talentos que brilharam no palco do Teatro Therezinha Petry Cardona, Luis Alberto Primaz e Halena Granja Chagas flutuaram diante dos olhos da platéia.
Ele é um professor consagrado, que aos 37 anos tem em seu currículo passagem de 11 anos pelos palcos do Rio de Janeiro. “Cria” do curso de dança da Fundarte e Graduado em Dança pela Uergs Montenegro, seus primeiros passos foram em outro tablado. “Minha origem! Eu danço no CTG desde os 6 anos, venho da dança folclórica”, revela, salientando que ainda dança por sua entidade tradicionalista.
Foi sua irmã, a também professora e coreógrafa Débora Primaz, que o despertou para o balé clássico, onde ela iniciou aos 15 anos. E logicamente, Débora também foi para as salas da Fundarte. Luis foi em seguida, pensando em aprimorar sua postura para as danças tradicionais. “E acabei trocando as botas pelas sapatilhas”, brinca.
Sua parceira no palco tem apenas 15 anos, e em 2023 se formará no Curso Básico de Dança. A primeira vez que Halena colocou seus olhos em uma bailarina foi assistindo um filme da Barbie. “Então comecei a incomodar minha mãe para me colocar no balé”. Muito decidida, afirmou que a diferença de experiência para seu parceiro não foi problema. Ao contrário, aproveitou para pegar mais referências.
Também para o professor, cada nova colega é uma oportunidade de trocar e aperfeiçoar a técnica. “Eu passo o que tenho de conhecimento tento passar para ela”, descreve. Questionados, ambos disseram que não conseguem se imaginar sem a dança. Luis ainda poderia investir em sua outra carreira de Quiroprático, mas Halena desabaria. “Eu seria meio desiludida da vida e muito triste; por que a dança já faz parte de mim”, define.
Ao lado, a professora Débora Brandt Alencastro observava os artistas. Depois, ela completou os pensamentos, tratando de tirar peso do “fazer arte”. “Ela pode dançar pra si também. Essa dança não precisa necessariamente ser espetáculo, ou ‘performance. Nem sempre a gente precisa dançar para alguém ver, mas para estar de bem com a gente mesmo”, finalizou. (RE)