No Abrigo Menino Jesus de Praga, que trabalha no acolhimento de crianças e adolescentes, vivem hoje 25 meninos e meninas de diferentes faixas etárias
A diferença entre o perfil desejado pelos pais adotantes e as crianças disponíveis para serem adotadas ainda é muito grande. Segundo o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos (CNCA), no Rio Grande do Sul, são quase 5 mil crianças e adolescentes atendidos em instituições e, pelo menos, 415 entidades que atuam no segmento.
Atualmente, no RS, há 1.178 crianças que esperam por uma nova família, conforme dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Em contrapartida, são mais de 5 mil famílias que aguardam para acolher a esses meninos e meninas.
Um dos motivos que justifica esta diferença, como explica a assistente social do Abrigo Menino Jesus de Praga, Eliane Teresinha Linhares Neto, é a opção por crianças recém-nascidas ou com até quatro anos de idade. “Se é um bebê, é rápido. Se tem um ano ou até dois anos, ainda é mais ágil para adotar. A partir dos dois anos, começa a ficar mais difícil. Quanto ‘mais velhos’, mais demorado é, justamente por causa do perfil idealizado pelas famílias”, argumenta a profissional.
No Abrigo, entidade que trabalha no acolhimento de crianças e adolescentes, vivem hoje 25 meninos e meninas de diferentes faixas etárias. Estão lá por determinação da Justiça e, em situações excepcionais, encaminhadas pelo Conselho Tutelar. Nestes casos, em até 48h, o Abrigo deve notificar o Judiciário.
“Nosso papel principal é dar segurança para elas. Tirar daquele ambiente que causou o motivo do acolhimento e tornar o ambiente do Abrigo o mais parecido possível do que tem uma casa, com afeto, cuidado, carinho e disciplinas”, completa Eliane.
Em 2016, foram oito crianças adotadas. Em 2017, ainda não houve registros, mas três menores que foram encaminhadas para o abrigo voltaram para o seu lar.
Para adotar uma criança, é preciso ir à Vara da Infância mais próxima e se inscrever como candidato. Além de RG e comprovante de residência, outros documentos são necessários para dar continuidade ao processo.
É feita uma análise da documentação e são realizadas entrevistas com uma equipe técnica formada por psicólogos e assistentes sociais. Após entrar na fila de adoção, é necessário aguardar uma criança com o perfil desejado.
Acolhimento no Abrigo Menino Jesus de Praga
Eliane Teresinha Linhares Neto explica que o primeiro passo, a partir do momento em que a criança chega ao Abrigo, é identificar a realidade que a fez estar ali. “De início, a gente tenta avaliar a possibilidade de essa criança retornar para a sua casa, até porque a medida de acolhimento é para ser algo temporário, mas devemos identificar se esse pai e mãe conseguem reverter o quadro que trouxe maus tratos ou negligência para a criança”.
Este trabalho é feito por meio do Plano de Atendimento Individual e Familiar (Paif) e conta com toda a rede de proteção às crianças (Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas); Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e Conselho Tutelar). Por meio deste processo, a rede identifica se a família conseguiu aderir às orientações, ou não alterou as situações que ocasionaram o acolhimento.
“Se lá no final do processo se identificou que a família não aderiu às recomendações, então é feito todo o trabalho, por meio jurídico, para o processo de destituição do lar. Havendo a destituição, essas crianças vão para uma lista de adoção, organizada e controlada pelo Judiciário”, explica Eliane.
Depois que a criança é adotada, Eliane esclarece que a rede faz o acompanhamento por um período médio de seis meses após a obtenção da guarda da criança, para avaliar o processo de adaptação.
Em caso de não haver a destituição, ela diz que ocorre o restabelecimento de vínculos familiares. “Que não tem um período limite de acompanhamento depois de voltar ao lar”, observa.
O período médio de permanência de uma criança no Abrigo é relativo, mas pode ser de até dois anos. “Quanto mais rápido se consegue montar o Paif e ter as indicações da família, mais rápido se define o encaminhamento da criança. A gente precisa resolver a vida das crianças o mais breve possível”, diz.
Adoção tardia requer paciência e dedicação
Deise e Jefferson sempre tiveram o desejo de adotar uma criança. Como a maioria dos casais que buscam a Promotoria para fazer o cadastro e entrar na lista de candidatos, eles queriam uma criança que tivesse até 3 anos. No ano passado, foram surpreendidos por quatro crianças diferentes, mas, ao mesmo tempo, com muito em comum: o desejo de ter uma família.
Primeiro começou pelos guris, na época um tinha 4 e o outro 6 anos. “Soube de dois meninos que estavam para adoção, fui lá conhecer, tive que ir ao Fórum me informar, aí a gente se interessou e comecei a organizar a papelada para a adoção”, conta Deise Pedroso Gonçalves, 44, gerente de um posto de combustíveis. Foi amor à primeira convivência.
Como o casal tinha optado por crianças até 3 anos, a primeira coisa a ser feita foi pedir o aumento da idade no processo jurídico. Deu certo. Em pouco tempo, os dois meninos passaram a integrar a família de Deise e Jefferson.
Mas a família ainda iria aumentar um pouco mais. Enquanto ainda frequentavam o Abrigo para conhecer os dois meninos, Jefferson Luis dos Santos Gonçalves, 45, funcionário público, que sempre quis adotar uma criança de mais idade, conheceu duas meninas, gêmeas, de 11 anos, e comentou com a esposa.
“Numa festa junina a que a gente foi lá, no ano passado, conversávamos com a assistente social e soubemos de outro menino mais novo, de 3 anos. Ele não podia ver o Jefferson que já vinha correndo se abraçar nele. Mas a nossa surpresa foi saber que ele é irmão das meninas gêmeas”, conta Deise.
Em etapas, o casal começou o processo de adoção dos dois meninos. “Primeiro, terminamos a adaptação deles”, antecipa ela. Com a convivência, o casal descobriu que o desejo de aumentar a família também partia dos filhos. Aos poucos, as gêmeas e seu irmão mais novo começaram a frequentar a casa aos fins de semana. “Em julho, os dois meninos vieram para cá definitivamente e, em outubro, uma das meninas gêmeas e o irmão mais novo. A outra menina optou em não vir”, revela Deise.
Hoje o casal possui a guarda permanente dos guris e a provisória dos irmãos de 12 e 3 anos. “Acredito que essa visão de adotar crianças maiores pode ser o medo por elas serem mais agitadas. Só que tudo vai de se ter um pulso firme. Quem conhecia eles e vê agora diz: ‘como eles estão mudados’”, defende Deise.
Para ela, conhecer as crianças, conviver com elas no Abrigo e ‘correr atrás’ foi o que fez a família aumentar. “Se eu fosse esperar, eles não estariam aqui”, completa.
Adoção que surgiu através do apadrinhamento
Márcia Maria Forneck, 38, e Marco Aurélio Mendonça, 42, sempre tiveram desejo de adotar uma criança. Ela, monitora de uma creche e ele funcionário de uma oficina de rebobinagem de motores, em São Pedro da Serra, encontraram a realização desse desejo em Montenegro.
Em 2015, os dois conheceram o Abrigo Menino Jesus de Praga, por intermédio de um amigo. Souberam do apadrinhamento afetivo. “Em 16 de dezembro de 2015, fomos com ele até o Abrigo. Falamos com a equipe e encaminhamos a documentação para fazer o apadrinhamento”, conta ela.
Na época, conheceram um menino que encantou o coração do casal. “Nos falaram desse menino, que precisava de um carinho. Duas semanas depois, marcamos mais um encontro lá, onde conhecemos ele. Encaminhamos a documentação para sermos padrinhos em fevereiro de 2016 a ele começou a freqüentar a nossa casa”, detalha Márcia.
17 de fevereiro de 2016. Essa foi a primeira vez que o casal recebeu o menino apadrinhado. “Foi uma fase de adaptação. Foi um aprendizado muito grande, tanto nós com ele, quanto ele conosco. É uma experiência bem boa”, comemora ela.
Mas o apadrinhamento de Márcia e Marco Aurélio não ficou apenas nisso. No Abrigo, o garoto havia feito amizade com uma menina e, nas visitas à casa de Márcia e Marco Aurélio, ele costumava falar sobre a relação dentro do Abrigo. Durante o ano, o casal decidiu apadrinhar a menina também. “Em 17 de outubro, ela começou a vir aqui em casa também e, em 9 de dezembro, saiu a guarda provisória dela”, recorda Márcia.
Tanto as crianças, quanto o casal ainda têm se adaptado à nova rotina. O casal já tinha um processo no Fórum de habilitação para adoção, mas o pedido era para uma criança de em torno de 4 anos. “Mas quando conhecemos ele, acabamos nos identificando”, revela Márcia. Quando saiu a habilitação para o casal adotar, o pedido já foi vinculado ao menino apadrinhado.
Como funciona o apadrinhamento afetivo
O programa efetivou-se em 2009 por meio da parceria entre a Casa de Acolhimento Menino Jesus de Praga e o poder Judiciário. A ideia é poder proporcionar às crianças atendidas pela instituição a possibilidade de estreitar os laços familiares e comunitários. As famílias que passam a apadrinhar afetivamente uma criança contribuem socialmente, oferecendo espaço de desenvolvimento.
A assistente social Eliane Linhares Neto explica que a finalidade do apadrinhamento não é a adoção, é uma oportunidade das famílias darem às crianças e jovens uma convivência familiar, além de receberem incentivo para estudarem. “Não se trata de adoção, mas uma forma de oportunizar a crianças e jovens a vivência cotidiana com uma família”, explica.
No Abrigo, o apadrinhamento acontece com crianças maiores de 6 anos, com laços familiares juridicamente rompidos ou com remotas possibilidades de serem adotadas.
Para ser um padrinho afetivo, é preciso ter idade mínima de 18 anos; apresentar a documentação exigida por lei; não possuir demanda judicial envolvendo criança ou adolescente e outros crimes contra a vida ou ordem pública e pertencer à comarca de Montenegro (Salvador do Sul, São José do Sul, São Pedro da Serra, Pareci Novo, Brochier, Maratá e Montenegro).
Todas as famílias que se candidatam ao apadrinhamento voluntário passam por uma avaliação da equipe técnica, formada pela assistente social Eliane Linhares Neto, pela pedagoga Dóris Klein e pela psicóloga Camila Bozzetto.
Comunidade é aliada na manutenção do Abrigo
Famílias, empresas da cidade e até de outros municípios, entidades e ações beneficentes tem contribuído na manutenção do Abrigo Menino Jesus de Praga. “Se a comunidade não nos ajudasse, a gente não conseguiria manter”, afirma diretora-executiva da Sociedade Beneficente Espiritualista, Josênia de Almeida Flores Cruz.
Segundo ela, a entidade recebeu a promessa do secretário da Fazenda de que os valores referentes ao mês de junho serão pagos até o dia 15 de julho. Hoje a Prefeitura investe R$ 78 mil mensalmente no Abrigo, valor que foi fixado no ano passado e precisa ser reavaliado. “Ele não é suficiente para manter 25 crianças e todos os recursos que são necessários”, argumenta.
Para manter 25 crianças, o valor repassado pela Prefeitura não dá conta de atender a todas as necessidades do espaço. O ideal, segundo Josênia, seria mais de R$ 100 mil. “Temos outros meios na busca de recursos, como a comunidade, que nos ajuda muito”, diz.
Já houve épocas em que o abrigo recebeu mais de 25 crianças ou adolescentes, por uma questão de necessidade. “Montenegro ainda tem crianças que estão em abrigos fora do município, então a demanda por vagas nessa situação é bem grande”, explica ela.
Para conseguir atender a todos e dar mais conforto para as crianças, Josênia diz que a Vara da Infância e Juventude até já solicitou a criação de um novo abrigo para a cidade. Porém, ainda não há prazo para isso acontecer. “Não sei se a curto ou longo prazo, mas essa necessidade existe”, reforça.
Como ajudar
– Doações diretamente no Abrigo Menino Jesus de Praga
– Doações por meio da dedução do Imposto de Renda
– Trabalho voluntário
– Apadrinhamento afetivo (para ser padrinho afetivo, basta procurar o Abrigo pelo telefone 51 3649 3106)