A arte de rua vive e eles a experimentam

Estilo de vida. Casal de jornalistas mergulha na vida da América Latina para mostrar toda a sua cultura

Estudar para ter um emprego, trabalhar para manter uma família e ter uma família para deixar um legado. É mais ou menos nessa ordem que a sociedade – ou o senso comum – impõe que levemos nossas vidas. Porém, há aqueles que querem fugir desse estereótipo e acabam sendo rotulados como pessoas que “levam um estilo alternativo de vida”. E a vida que o casal de jornalistas Émerson Luiz da Costa, de Brochier, e Jonara Cordova, de Canoas, decidiu ter engloba a imersão na América Latina através da arte de rua e da troca cultural.

Projeto foi criado a partir da ideia de um estilo de vida diferente, com o qual estão muito satisfeitos

Os dois possuem 25 anos e são responsáveis pela página Rua Vive no Facebook e pelo perfil com o mesmo nome no Instagram. O projeto surgiu a partir dos desejos do casal de se desprender da obrigação de um trabalho fixo e de morar em um único lugar. Émerson explica que a ideia do Rua Vive é documentar, viver, sentir e compartilhar a arte e a cultura da América Latina. “Ao mesmo tempo, não só mostrar, mas também participar de alguma maneira”, destaca Jonara.

A primeira experiência deles foi no Uruguai. Lá, Émerson fez algumas apresentações musicais nas ruas das cidades por onde passaram e Jonara vendia camisetas confeccionadas por ela. “A gente acabou conseguindo ter contato não só vivendo, mas também experimentando como é trabalhar com a rua”, afirma a jornalista. A estadia no país vizinho iniciou no final de janeiro e seguiu até a penúltima semana de março.

Émerson e Jonara estão passando um momento em suas casas antes de seguirem para o próximo destino, que pode ser o Paraguai ou até mesmo o litoral brasileiro

A ideia do casal é viajar por toda a América Latina, chegando até o México. “A gente quer passar pelo máximo de países que a gente conseguir, mas, ao mesmo tempo, sem a pressão de ter que chegar até tal lugar em tal data”, explica Jonara. Atualmente, o casal aguarda a chegada de maio para fazer as mochilas e se mandar para a próxima aventura, que pode ter como destino o Paraguai ou o litoral do Brasil.

No momento, eles aproveitam para curtir a família e ressignificar o próprio lugar onde viviam após uma experiência de dois meses imersos em outra realidade. Além de repensar o projeto. Conforme Émerson, houve momentos em que eles não conseguiram manter uma sequência de publicações a cada dia ou semana. “Por ser um primeiro ‘lance’ fora de casa a gente se envolveu e fez muita coisa para o projeto, mas, ao mesmo tempo, foi muito natural e não forçamos. Em outros momentos, quando a gente não tinha tanto acesso (à internet), a gente acabava não fazendo nada”, comenta o jornalista.

Uma família de viajantes

Casal viveu em diversos lugares durante sua estadia no Uruguai, como na residência de uma uruguaia que lá conheceram. Desta forma, vão assimilando diferentes culturas. Foto: Divulgação/Rua Vive

Conforme o casal, a troca cultural ocorrida durante a viagem é imensa. Além disso, eles destacaram que existem muitas pessoas que buscam o mesmo que eles: viajar e conhecer novas culturas. “Eu não imaginava que teria tanta gente”, admite Jonara. “E é uma espécie de família. As pessoas acabam se reconhecendo e se ajudando”, complementa Émerson.

Como exemplo, o jornalista cita o caso de Claudia. Moradora de Barcelona, eles a conheceram num camping em Marindia, onde trabalharam juntos. Após alguns dias, eles foram para a casa de uma uruguaia, onde Claudia também ficou durante um período. Ao final, em La Coronilla, eles voltaram a se encontrar. Caso semelhante aconteceu com uma viajante francesa. “Ou seja, a gente ia para lugares por causa dos outros, que iam para lugares por causa da gente”, comenta.

Para Émerson, é assim que se forma a família de viajantes. “As pessoas chegaram a um lugar por causa da gente, por exemplo, e vão indicar o local para outras pessoas, que vão indicar para outras pessoas e vão formando círculos e as pessoas vão se ajudando a viver assim”, reforça. Segundo o jornalista, por todo o continente, viajantes estão se ajudando a viver desse modo.

Chance de vivenciar diferentes realidades
Já tendo viajado por diversas cidades da América do Sul, Émerson diz que viver em outros países, mesmo que por poucos dias, sempre foi uma experiência muito rica para ele, por poder ver todas as diferenças e singularidades que unem a América Latina. “Pra mim, sempre foi interessante ver, só que viver, agora, é completamente outra coisa. Tu te envolve de uma maneira muito mais profunda”, destaca. O jornalista e músico diz que o maior envolvimento fez com que ele sentisse muito mais as singularidades do Uruguai. Émerson ainda acredita muito numa América Latina unida e acha que o continente deveria se fortalecer como um único povo.

Evento de escultores de areia em camping onde eles ficaram chamou atenção de Émerson e Jonara. Foto: Divulgação/Rua Vive

Lembrando que sua ida ao Uruguai foi a primeira para fora do Brasil, Jonara revela que as semanas vividas no país vizinho foram uma experiência muito interessante. “Em todos os lugares em que eu estive no Uruguai eu me senti muito em casa, não imaginava que fosse tão fácil viver (em outro país)”, conta. Ela acredita que isso ocorre em razão da identificação entre os povos. “No fundo, somo tudo a mesma coisa, o mesmo povo. Apesar das fronteiras, elas não significam grande coisa”, pondera.

Caronas e estadia trocadas por trabalho
Buscando viajar de forma barata, Jonara e Émerson recorreram a uma prática comum entre os viajantes: a troca de estadia por trabalho. Através do site WorkAway, eles acabaram atuando em locais em que nunca haviam pensado em trabalhar, entre eles uma fazenda e também um camping que, durante a estadia deles, recebeu um evento de escultores de areia. “Isso nos engrandeceu bastante no sentido de experimentar coisas que a gente nunca tinha imaginado”, comenta Jonara.

Para o deslocamento entre os seus destinos, o casal apelava para caronas. “Quando tínhamos que pegar ônibus, também era muito tranquilo, mas tentamos fazer isso o mínimo possível”, afirma Émerson. Segundo Jonara, no Uruguai, pegar carona é algo bastante comum. “O legal é que como a gente nunca tinha um horário fechado de ter que chegar tal hora em tal lugar, tínhamos liberdade de chegar um pouco depois se passasse bastante tempo esperando”, conta.

Porém, a jornalista – que teve na viagem para o Uruguai a sua primeira para fora do Brasil – observa que por estar trocando moradia por trabalho e viajando de carona, eles acabaram não focando tanto no projeto. E é justamente isso que eles estão reavaliando agora: se ficam em locais que trocam moradia por trabalho ou se vão para cidades maiores para, daí sim, encontrar mais arte e cultura de rua.

Uma oportunidade única e que é possível com o apoio da família e amigos
Jonara e Émerson sabem que poder tocar o projeto Rua Vive é um privilégio oriundo do dinheiro que eles conseguiram levantar e também pelo apoio que eles recebem de suas famílias para perseguirem seus sonhos e poderem voltar para casa quando necessário. “A gente tem noção de que não é todo mundo que tem essa possibilidade, então a gente é grato por ter esse privilégio”, reforça Jonara.

Sobre o estilo de vida por eles escolhido, Émerson diz que ele possui suas partes boas e suas partes ruins, como qualquer tipo de vida. “Mas eu gosto bastante das partes boas”, brinca. O jornalista diz que o casal se sentia aflito pela realidade que vinha vivendo e, por isso, resolveu mudar. “É realmente uma cultura de viver diferente e que se encaixa com a ideia do Rua Vive e faz com que a gente tenha vontade de vir pra casa para ver isso aqui tudo de um outro ponto de vista”, destaca.

Conforme Émerson, sua família e amigos já esperavam que um dia ele saísse para viajar e buscar um meio de vida alternativo. “Eu fui cortando relações que me prendiam ao lugar e, depois de um tempo, eu não tinha mais trabalho, não tinha mais a universidade, então era muito natural que eu acabasse viajando mais”, comenta. Apesar disso, ele destaca que, por ficar mais tempo longe de casa e não saber ao certo quando irá retornar, a saudade mexe um pouco.

Apesar de não ter o hábito de viajar, Jonara viu sua família e seus amigos também apoiarem sua ideia de vida. Ela recorda que um tio seu, que já é falecido, costumava fazer longas viagens e ficava grandes períodos sem se comunicar com a família. “Então é completamente diferente do que a gente está fazendo. Eu falava com a minha mãe basicamente todos os dias”, afirma.

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