25 de julho: Dia Internacional da Mulher Negra Latina e Caribenha

A luta e a força das mulheres negras na construção da história

25 de julho é celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha. No Brasil, a data homenageia a líder quilambola Tereza de Benguela, que se tornou rainha, resistindo bravamente à escravidão por duas décadas. Este ano, a data traz à luz a luta da mulher contra o feminicídio, as reformas que destroem os direitos, principalmente, das mulheres negras e por reparações à comunidade negra. O movimento iniciou em 1992, quando um grupo de mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas se reuniu em um evento que surgiu com o intuito de dar visibilidade à luta das mulheres negras não só contra o racismo, mas contra a opressão de gênero e exploração.

Rosemere Rosa da Silva, 44, é professora e diretora da Emef Ana Beatriz Lemos e destaca que a data precisa muito ser lembrada. “Mesmo assim, fica marcado em mim saber que a gente precisa de uma data e de um movimento de mulheres negras para dizer: eu estou aqui. Eu tenho osso, carne, sangue, como qualquer sujeito de outra cor”, enfatiza. “É um movimento de fazer as pessoas me verem como um sujeito que contribui. Eu movimento a economia, o setor intelectual, o pedagógico. Eu faço parte disso, da sociedade, que não nos vê ainda como um sujeito digno de respeito e reconhecimento.” A cada duas horas uma mulher é assassinada e 68% delas são mulheres negras. “Por quê? Porque o corpo negro não é importante. Ele pode ser maltratado, agredido e não faz falta”, lamenta.

Rosemere Rosa da Silva

Foi apenas em 2018 quando Rosemere se deu conta de sua identidade como mulher negra. “Antes, eu me olhava no espelho e não gostava do que via, porque não me identificava com grupo nenhum”, diz. Sua primeira ação, quando entendeu que era uma grande mulher negra, foi parar com os alisamentos no cabelo, ao cortá-lo, deixou que viesse natural. “Aí o espelho começou a virar meu parceiro. Hoje, eu me olho e gosto do que vejo. Está estabelecido um padrão de beleza, só que para mim, tu pode me ver do jeito que tu quiser, mas eu me sinto uma mulher negra linda, maravilhosa, cheia de defeitos sim, mas com muitas qualidades também”, detalha.

Rosemere explica que a pior parte veio quando ela tomou consciência de quem era, de sua identidade. “Porque aí vêm algumas memórias que eu já passei, como quando uma pessoa está do meu lado da calçada, atravessa para a outra quando eu passo e quando eu olho para trás ela voltou para a mesma calçada”, relata. “Isso tudo porque a nossa história vem marcada por tantos fatos que mesmo que cresçamos intelectualmente ou financeiramente, ainda a imagem do negro é associada a escravidão, ao apagar do sujeito negro”, acrescenta.

“Precisamos trazer o negro para o papel de construtor de conhecimento”
Ela destaca que a situação mais constrangedora pela qual passou foi no ano passado. Como diretora da Ana Beatriz Lemos, Rosemere foi até um setor público buscar alguns materiais junto da vice-diretora da instituição. “Ao chegar lá, ela falou para eu carregar os materiais para levar enquanto conversava com a minha vice, que é branca, como se ela fosse a diretora da escola. Eu preciso carregar, porque eu sou negra e vim para servir. Essa é a ideia”, desabafa. “A nossa história é rica. Não é apenas a mulher negra escrava. É aquela que contribuiu para a arquitetura, engenharia, matemática e medicina. Mas, é muito mais fácil valorizar algo que o branco produz. Precisamos trazer o negro para este papel de construtor de conhecimento”, reflete.

Rosemere afirma que a atitude ainda a choca mais, porque ocorreu dentro do educandário. “Quando que nossos alunos negros vão ter direito se ainda existem pessoas com essa mentalidade dentro dos espaços de educação? Na minha vida escolar, o negro era escravo e ponto final. Era a única coisa que eu ouvia. Quando os nossos alunos vão ter acesso à riqueza que as culturas afro brasileira e africana têm? Esse é meu questionamento e minha dor enquanto mulher, negra, mãe e professora”, destaca. “Eu luto por equidade, que é dar a mesma oportunidade para pessoas diferentes.”

Quando se fala de educação anti racista, Rosemere pontua a importância da parte da população branca que deve se engajar na causa. “Não pode caber a nós, oprimidos, sempre falar destas questões. Cabe a todo mundo. Os negros precisam dos brancos, que devem ser anti racistas, porque do contrário, será sempre uma luta do negro para com o negro. Quando o branco vai entender que ele faz parte deste processo?”, indaga.

Ela salienta que a luta continua e o movimento segue. “Ainda precisamos lutar, porque ainda temos esperança. Não do verbo esperar, mas de se movimentar. A gente ainda tem a esperança de dias melhores. Se eu desistir agora, ou esperar, eu fico estagnada. Vamos continuar para que minhas filhas e meus netos possam viver em uma sociedade onde a cor da pele seja só um detalhe, o que deveria ser”, ressalta. “Não posso apagar o passado, a cor da minha pele não deixa, precisamos lembrar dele e ver uma luz no fim do túnel adiante”, pontua.

Círculo de Paz da Cufa
No próprio dia 25, a Cufa realizará um Círculo de Paz com o tema “Mulheres negras”. O evento ocorre no Espaço Braskem, na Estação da Cultura, a partir das 19h. Após dois anos de evento on-line, esta é a primeira vez o encontro ocorre presencialmente pós-pandemia. A ação é gratuita, aberta à comunidade e tem apoio das secretarias municipais de Educação e Cultura e de Habitação, Desenvolvimento Social e Cidadania.

Bate-Papo do Floresta
Também no dia 25, a partir das 20h, a Associação Cultural Beneficente (ACB) Floresta Montenegrina realizará uma live bate-papo com o tema “Onde estão nossas mulheres negras?”, com a participação de Letícia Santos, psicóloga e presidente da ACB Floresta e Iara Virgina da Silva, empreendedora social. A live pode ser acessada no Instagram Coletivo de Empreendedoras Negras.

Momento de reflexão sobre resiliência e resistência
Danielle Araujo, 21, integrante do grupo Maria Maria, da Central Única das Favelas, a Cufa, diz que a data é essencial. “Representa principalmente nossa resistência como mulheres negras, porque há séculos somos marginalizadas e violentadas, então, essa data representa um momento de reflexão sobre a nossa resiliência e resistência”, destaca. Ela lamenta que, mesmo com muitos avanços, a sociedade segue em extrema desigualdade e em muitas situações segue com o racismo e o machismo enraizados. “Há um longo caminho pela frente. É importante a gente continuar nessa luta, enfrentando essas batalhas, porque as que vieram antes de nós não desistiram para que colhêssemos o fruto de uma sociedade um pouco melhor, então por elas e pelas que estão por vir, é necessário continuar”, afirma.

Danielle Araujo. Foto: arquivo pessoal

“A gente merece mais respeito, mais oportunidades, mais direitos e mais igualdade. Somos a base da pirâmide, e a sociedade e o Estado têm que começar a nos olhar com mais afeto e empatia”, acrescenta. Danielle tem uma filha de um pouco mais de um ano, que, segundo ela, é um dos principais motivos para seguir lutando. “Muitas vezes pensei em desistir, mas toda vez que olho pra ela, temo que futuramente ela passe por alguma represália, então continuo lutando pra que ela viva em mundo melhor que eu, e assim, eu luto por ela, luto por mim e por todas.”

Danielle destaca que o racismo, velado ou não, já esteve muito presente em sua vida. Dentre as situações, destaca episódios do ensino médio, em uma escola particular majoritariamente branca, onde conta nunca ter sido bem acolhida. “Demorou um longo tempo pra eu poder me enturmar, apesar de nunca me sentir pertencente a algo. O ponto alto foi quando eu me tornei presidente do Grêmio e então alguns alunos não me tratavam educadamente, faziam queixas pra secretária, sempre por motivos muito fúteis”, relembra. “As atividades que eu gostaria de fazer não era aceita. Então quando eu ia conversar com a secretaria pra expor alguma ideia, eu tinha que levar dois ou três membros brancos do Grêmio pra que eles falassem também pra ter alguma chance das nossas ideias serem aceitas”, explica. Para Danielle, esse foi um grande marco para que entendesse o quão velado é o racismo. “Foi partir disso que eu entrei pro movimento e comecei a combater essa estrutura racial”, finaliza.

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