Arte marcial é coisa de homem? Muay Thai é pouco feminino? Não é o que pensam essas mulheres. Fernanda, Ana e Neiva são exemplos de que elas estão, cada vez mais, conquistando os tatames. Elas trocaram o estereótipo delicado, com unhas longas, maquiagem e salto alto pelas luvas, shorts confortáveis e caneleiras.
O Muay Thai surgiu na Tailândia e utiliza quase todos os membros do corpo como armas de combate. O objetivo principal passa por colocar os adversários sem sentidos (KO técnico) ou procura levá-los à submissão/desistência. É também uma arte que visa trabalhar a flexibilidade e a agilidade do corpo, de modo a que seja possível esquivar-se corretamente dos ataques dos adversários.
De acordo com a Federação Brasileira de Muay Thai, esse esporte segue a doutrina budista em suas saudações e costumes. A atividade trabalha a concentração, tomada de decisões rápidas e o foco, além de, claro, ser ótimo para quem quer deixar a silhueta em dia. Uma hora de prática pode queimar até mil calorias, e o trabalho com todos os membros faz com que o corpo fique definido.
De modelo a atleta
Quem vê Fernanda com a luva nas mãos, preparada para mais uma luta, não imagina que ela já fez parte de um mundo totalmente diferente e mais delicado. “Eu era modelo, quando era mais nova. Eu trabalhei por 10 anos como modelo, para várias marcas muito famosas. Passava temporadas morando fora e depois voltava ao Brasil”, recorda Fernanda Vodzik, 38 anos.
Ela começou a praticar o Muay Thai quando conheceu Gustavo Kuhn, treinador da academia Nitro Team, com quem foi casada. “Eu fazia várias atividades físicas para manter a forma, mas nunca me prendia a nada e, pela luta, me apaixonei”. Segundo ela, além de cuidar do corpo, a luta proporciona uma forma de defesa pessoal e, acima de tudo muita adrenalina nas competições. “Só quem luta sabe o que é estar num ringue ou estar num tatame”, afirma.
Além de mãe e professora de luta, Fernanda acumula, no Muay Thai, os títulos de campeã gaúcha, bicampeã da Copa RS, além de ter disputado o cinturão da Copa dos Campeões, em 2014. Neste sábado, ela disputa o seu segundo cinturão, em Santa Cruz do Sul. A lutadora foi além e pratica o Jiu-Jitsu, esporte no qual também acumula títulos.
Ela conta que aquando começou a treinar Muay thai, era praticamente a única mulher em meio aos homens. “Mas os homens respeitam demais as mulheres”, conta. Hoje, como professora, ela foca no treino com as mulheres. “As minhas alunas não treinam para competir, mas sim, como um esporte para definir o corpo e trabalhar a mente”, revela. “É um momento que tu relaxa. Tu não consegue pensar em mais nada durante o treino”. Ela define o Muay Thai como sendo a sua própria vida. “Eu não me imagino fazendo outra coisa”.
E com toda essa influência, claro que a filha de Fernanda e Gustavo também pratica Muay Thai. Rayla Kuhn, 9 anos, treina desde os dois anos e meio e hoje pensa em competir. “Eu tento convencer ela do contrário. Acho que a primeira vez que alguém der um soco nela, eu vou entrar lá pra defender”, ri a mãe lutadora.
Competição que já está no sangue
A vontade de competir fez Ana Wollmann, 17 anos, entrar no Muay Thai. A jovem, que hoje divide seu tempo entre o estudo, o trabalho e os treinos, chegou a praticar mais de seis anos de ballet, mas o coração já era das artes marciais. “Meus irmãos lutavam Jiu-Jitsu e, de tanto acompanhar eles nas competições, eu fui tomando gosto e queria competir também”, recorda.
Na época, havia apenas turmas masculinas para a sua idade, de 12 anos. Então Ana, ou Aninha, como é conhecida pelos mais íntimos, conheceu o Muay Thai. “Eu fui na academia e a Fê (Fernanda Vodzik) me apresentou o Muay Thai. Eu fiz uma aula experimental, gostei e já entrei com o objetivo de competir”, recorda.
Apesar de ainda ser um ambiente majoritariamente masculino, Aninha garante que o tratamento dentro da academia é igual entre homens e mulheres. “O pessoal é muito receptivo. Os homens não te deixam desistir. Quando eu entrei, os guris praticavam para competir e as gurias não. Hoje isso já está mudando”, relata. Fora da academia, ela já vivenciou situações em que desafiavam-na. Mas a lutadora garante que segue à risca o lema de que “quem luta, não briga”. “A maioria das pessoas têm admiração”, diz.
Entre os títulos acumulados pela montenegrina, estão vitórias no Campeonato Gaúcho, bicampeonato Brasileiro e na Copa RS. Neste sábado, inclusive, ela disputa o cinturão na Copa dos Campeões, representando a cidade, em Santa Cruz do Sul. A rotina de uma campeã exige cuidados e, acima de tudo, disciplina. Mas ela garante que trocar noites com os amigos por horas de sono e momentos de lazer por treinos não a incomoda. “São prioridades. Eu acho que se você se dedicar pela metade, vai ter os resultados na mesma proporção. Tu não vai conseguir ser um atleta 100%”.
Um recomeço de vida
“Você já pensou em desistir?” Essa pergunta fez Neiva Amaral, de 43 anos, refletir sobre as dificuldades enfrentadas a cada novo treino. Ela, que começou a lutar há três anos, hoje faz do tatame sua segunda casa e do Muay Thai, seu estilo de vida. “Eu era uma mulher que andava no salto, com mega hair e unhas de porcelana. Hoje, minha vaidade são os materiais de luta e as luvas nas mãos”, conta.
Neiva entrou no Muay Thai devido a uma depressão e usou a luta para dar a volta por cima na vida. “Nessa trajetória eu acabei me apaixonando. Conheci a essência dessa arte marcial, que vai muito além da parte física. Ela te completa na parte mental também”, afirma. “O que eu penso sobre o Muay Thai vai muito além de qualquer sentimento de uma pessoa que busca uma atividade física”, afirma.
Ela, que pratica a arte marcial sem a intenção de competir, já emagreceu 15 quilos desde que iniciou no esporte e hoje atua como personal, no CT Nitro Team, em Charqueadas, onde reside. “As aulas são de acordo com o nosso mestre, Gustavo Kuhn”, explica. Em fevereiro, Neiva embarca para a Tailândia, berço do Muay Thai, onde ficará um mês para adquirir novos conhecimentos.
Em uma avaliação, Neiva garante que o Muay Thai mudou sua vida. “Hoje eu durmo bem, me alimento bem e tenho objetivos”, revela. Ela iniciou treinando duas vezes na semana, em 2014. Hoje, os treinos são diários, além das aulas na academia. “Cada dia tu quer um pouco mais”.
Nesse querer um pouco mais a cada dia, ele enfrenta periodicamente, os 60km que separam Montenegro de Charqueadas para treinar na sede junto ao mestre Gustavo Kuhn. “Hoje (sexta-feira, dia 27), por exemplo, a gente veio, apesar do temporal”. O trajeto não é dos mais tranquilos, pois é preciso atravessar o rio Jacuí de balsa até a cidade de Triunfo para, depois, seguir até Montenegro. “O Muay Thai te ensina a não desistir das coisas na vida. Treinar é um compromisso pessoal”.