Morávamos num chalé de madeira a 100 metros do trilho do trem. Frequentemente, acordávamos de madrugada quando o trem passava. Ou ficávamos no barranco observando os vagões.
Gostávamos mais de observar os trens de passageiros. Eram mais bonitos do que ficar olhando cargas, além do que as pessoas que estavam viajando eram simpáticas e abanavam para a gurizada.
A casa do meu avô era colada aos trilhos, que passavam rente a cerca do terreno. Ali nos fundos dos Zabrão, o maquinista diminuía a velocidade, pois tinha uma passagem de pedestres e, apesar de haver uma placa escrita “Parar, Olhar, Escutar” o perigo era constante, pois crianças não tem noção do perigo.
Uma vez o Trem de passageiros descarrilhou bem ali nessa passagem, talvez pelo acúmulo de areia entre os trilhos. Lembro que era de madrugada ainda e havia burburinho de pessoas curiosas para ver o acidente. Todo o Morro desceu para ver o trem descarrilhado.
A cena não me sai da lembrança ainda hoje: Os vagões de passageiros deitados de lado e pessoas gritando e correndo. Algumas feridas outras apavoradas. Mãe com filho no colo chorando desesperada e outros pulando pelas janelas.
Uma das piores imagens que ainda guardo, e não se apaga, é de um passageiro que parecia ser o maquinista, passando por mim com um enorme corte no braço. Todo ensanguentado segurando o antebraço com um corte tão profundo que aparecia o osso. Terrível.
Nunca queira ver um trem descarrilhado, é uma cena apavorante. É o caos.
Quando me lembro deste episódio penso imediatamente no Brasil e na atual situação política do nosso país. Parece que o Brasil saiu dos trilhos.
As decisões tomadas em Brasília tem incentivado a criminalidade. Prendem parlamentares por opinião e soltam corruptos.
Aprendi na escola que numa democracia existem três poderes. Executivo que executa, legislativo que legisla e judiciário que julga e protege a constituição. A lei não pode ser usada sem que o sistema de pesos e contra pesos seja obedecido. Senão vira uma ditadura maquiada de democracia.
O pensador francês Charles-Louis de Secondat, Baron de La Brède et de Montesquieu, na sua obra “O Espírito das leis”descreve a necessidade de se estabelecer a autonomia e os limites entre os poderes.
Quando há perseguição a um lado e relaxamento aos crimes do outro, entramos num perigoso terreno onde quem detém o poder se torna um semideus. Os tiranos se criam assim.
Temos visto inclusive cerceamento aos direitos dos advogados em alguns casos e, se, nem quem defende tem acesso aos autos como fica o direito a ampla defesa? O acusado já está condenado então?
Porque para um ex-presidente foi aceito mais de 200 habeas corpus e para um deputado ou para quem participou de uma manifestação nenhum argumento serve?
O que é mais grave, criticar um poder ou desviar bilhões em propinas? Se os dois são crimes devem ser punidos. Não é o que vemos no Brasil hoje. Para um nem precisa prova, para o outro todas as provas são desconsideradas.
A insegurança causada e o estímulo à criminalidade passada as futuras gerações me traz a lembrança à cena da minha infância: A Locomotiva está descarrilhada. Pobres passageiros.