O ônus do crescimento

Já contei esta história várias vezes, mas é sempre bom relembrar, até porque o público do jornal se renova, e também porque é mesmo bom relembrar.

Morei e cresci na Vila Bela Vista vizinha a vila Trevo, que era naquela época a Favela de Montenegro. Nossa casa era um chalé de madeira que ficava entre o trilho do trem e o Morro São João. Meu pai pagava aluguel para o seu Batista, patriarca da numerosa família Rodrigues.

Conhecíamos todos os moradores da vila e da vila vizinha também. Ao lado da nossa casa vivia a família Conceição. Os Conceição eram todos boleiros. Dali surgiu Ademarzinho, o tio Duca, Sarará, Beto Conceição, Nego Norte. Sem falar nos netos Leninho, Nego e Rafinha que também jogavam muito.

As mulheres Conceição não jogavam, mas casaram com jogadores. Uma delas, Maria Geneci, casou com Tadeu Bauru. Craque Montenegrino que jogou no timaço do Inter de Manga, Claudio, Figueroa, Falcão, Carpegianne, Caçapava, Valdomiro, Dario e Lula. Neste time até os gandulas eram craques. Imagina fazer parte do Plantel. O patriarca da família Conceição era o seu Olmiro, o Meu tio. Não, ele não tinha qualquer parentesco comigo. Meu tio era o seu apelido e não havia um morador da cidade que não conhecesse “Meu tio”. Seu Olmiro andava por toda Montenegro na sua bicicleta e com sua bolsa de couro a tiracolo. Não foi por acaso que só faleceu com mais de 90 anos e sempre pedalando a sua “magrela”.

Mais abaixo, a família do Seu Olímpio, maquinista da extinta RFFSA, também numerosa. Havia ainda a família do Ezequiel, toda de músicos, cujo pai era acordeonista.

Jogávamos todo dia em um campinho de terra entre a linha do trem e a casa do Ademarzinho. Todo dia. E várias vezes tivemos embate com o pessoal da Vila Trevo. De lá vinha um time com Camanga, Fitinha, Traguinho, Pirê, Guto, Peitudo. Nego Calo. E o pau pegava. Saía faísca. E não tinha VAR.

Mas porque conto tudo isso? Porque parece que naquela época conhecíamos todos que moravam em Montenegro. Nos finais de semana nos campos de futebol, nas festas, ou nas escolas parecia que todos eram amigos e tinham conhecimento um do outro. Hoje, ao andarmos pela cidade, não conhecemos mais ninguém.

Este sentimento me veio quando o secretário de Planejamento, Rafael Cruz, que mora em Capela de Santana, fez a seguinte afirmação dia destes: “- Vocês que são moradores daqui não se deram conta, mas Montenegro não é mais aquela cidadezinha do interior na qual vocês estavam acostumados”. E ele tem razão.

Deixamos de ser uma pequena cidade do interior onde podíamos deixar as janelas de casa abertas ao dormir. Crescemos muito em população, em orçamento, em indústrias e também em problemas.

Não somos mais aquela cidade que o Prefeito saía às ruas com os bolsos cheios de bala a distribuir pra quem encontrasse. Aquela cidade na qual o prefeito dava um canetaço e anulava a multa dos amigos.

Nossa frota de veículos passa dos 45 mil. Ou seja, quase um veículo por habitante. Antes havia quase mais carroças que veículos, hoje mais veículos que gente.

Antes não havia redes sociais, onde qualquer Zé arruela entende de tudo e se acha no direito de criticar e ofender a todos. O sujeito não sabe o que é uma hipotenusa, mas dá pitaco na qualidade da massa asfáltica usada nas ruas. O cara não sabe o nome cientifico da Aspirina, mas sabe criticar procedimentos médicos. O bonito não sabe o que é uma matriz FOFA, mas desce o pau no Planejamento. Não conhece o que é PMI, mas quer dar pitaco em projetos e obras. Não sabe o que significa “data vênia” mas critica a PGM.

Mas tudo isso faz parte, porque crescemos e não somos mais uma cidadezinha sem expressão e vivendo exclusivamente da agricultura e pecuária. Somos o 22º municípiogaúcho pelo retorno de ICMS e o 19º pelo PIB. Este crescimento, obviamente, traz também os problemas inerentes as grandes cidades. Vencer estes problemas é nosso grande desafio. Mas como diria o saudoso “Meu tio”: – Vamos safar, meu filho…

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