Éramos seis

Morávamos numa casinha de dois cômodos na subida do Morro São João. Não sei como, mas eram oito pessoas dentro de duas peças de madeira. Sem luz elétrica, sem água encanada, sem celular, sem internet, sem wi-fi. Não havia televisão, nem geladeira. Mas éramos felizes.

Ficávamos até tarde brincando na rua. Ou conversando sentado nos trilhos que passava a poucos metros da casa. Como não havia celular, quando queríamos chamar um vizinho para jogar bola no campinho ao lado da linha do trem, um dos meus irmãos subia em uma árvore e gritava combinando o horário do futebol. E jogávamos todos os dias.

No campo não havia goleiras, nem marcação muito menos bola de última geração. Bem diferente dos campos de carpete que ocuparam o lugar dos campinhos de terra da minha infância. À noite a diversão era, veja só, ficar em algum canto dos butecos escondido acompanhando os jogos de sinuca ou de bocha. Quando meus pais deixavam, é claro. Porque naquela época se obedecia sem questionar. E apesar da vida ser menos tecnológica e mais difícil, parece que era mais vivida. Parece havia mais vida no dia a dia.

Aos domingos o programa principal era no campo do Grêmio Esportivo Municipal. Desde a manhã era uma festa acompanhar a chegada do ônibus dos visitantes que geralmente vinha de alguma Vila de Porto Alegre. Durante todo o dia ficávamos no campo assistindo a veteranos, aspirantes e primeiro quadro desfilarem seu talento pelo gramado. Eu, o Tita e o Caio depois dos jogos tirávamos as redes das goleiras por um pastel mais uma garrafa de refrigerante.

Voltando à Família Gonzaga, éramos seis irmãos sustentados pelo único salario do meu pai, mas nunca passamos fome ou ficamos desamparados. Nossa casa era sempre bem arrumada e limpa, nosso pátio varrido e nunca faltou ordem, disciplina e respeito, tanto entre nós quanto com os vizinhos ou com quem vinha nos visitar.

Até mudarmos para uma casa no Bairro 5 de Maio com mais conforto ou simplesmente com o básico que qualquer família merece, vivemos, eu e meus cinco irmãos desta forma na casinha de madeira alugada do seu Batista Rodrigues.

Em 1989 perdemos uma irmã, a mais velha, acometida por um fulminante infarto agudo do miocárdio. Morreu aos 27 anos enquanto dormia, abraçada a sua pequena filha. A vida seguiu seu rumo e minha mãe e os Cinco filhos se revezaram na educação e apoio aos dois sobrinhos que ficaram órfãos. Principalmente minha irmã mais nova Ângela, até o nascimento do Filho Samuel ela era quase uma segunda mãe aos dois pequenos que ficaram.

Depois, com os dois já encaminhados e adultos, ela viveu exclusivamente para o filho. Com a morte dos meus pais, ela passou a ser o elemento que unia a família. Percorreu o Brasil trabalhando em montagens de indústrias, sempre com seu filho a tiracolo. Quando vinha nos visitar, reunia todos para um churrasco e confraternização. Ângela nos deixou neste domingo aos 52 anos depois de lutar bravamente contra um câncer de mama que evoluiu tomando conta de praticamente todo seu frágil corpo. Foi exemplo de filha, irmã e principalmente MÃE. Formou e casou o filho e sentiu que havia cumprido sua missão. Como dito por sua nora Nath na cerimônia fúnebre, ela fazia conexão entre as pessoas. Éramos seis. Agora somos quatro.

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