Quando eu era adolescente e morava no morro, meu pai ganhou de um amigo uma cachorra de cor preta. Chegou à nossa casa ainda filhote. Era uma vira lata pequenez e logo passou a fazer parte da família. Criança, você sabe, adora animais e Brigitte era nosso xodó. Apesar de ser dócil era feroz com quem quisesse agredir seus donos.
Brigitte dormia na nossa cama. Vivia dentro de casa e apesar de morarmos no sopé do morro São João e ter uma imensidão de floresta para brincar, gostava de ficar deitada na porta da casa. Ela tinha o pelo pretinho e liso. Parecia uma lontra de tão lisinha. Um amor a Brigitte.
Acontece que Brigitte foi envelhecendo e, como ocorre em algumas famílias de humanos, os velhos tornam-se descartáveis. Dão mais trabalho que alegrias. Esquece-se o amor, a convivência, a gratidão. Deixa-se para trás os momentos felizes. Esquece-se quanto benefício recebeu e abandona-se quem outrora fora meu fiel companheiro. Quem cuidou de mim. Quem me defendeu. Quem quase pagou com sua própria vida para que eu tivesse a minha.
Brigitte era assim. Várias vezes enfrentou cachorros maiores e mais fortes para defender seus donos. Mas envelheceu e meu pai não tinha, digamos assim, a qualidade de ser grato a um animalzinho. Meu pai era das antigas, bruto e mais preocupado com a sala de máquinas do Frigorifico Renner do que com uma cachorra. Ainda mais uma vira lata que todo ano dava luz a várias ninhadas, aumentando o problema, pois eram mais sete ou oito filhotinhos para alimentar. E resolveu descartar a cadelinha.
Naquele tempo não tinha Amoga, Patinhas da esperança ou outra ONG que defendesse a causa dos bixinhos e lembro até hoje da Brigitte com seus olhinhos pretos e tristes, sendo levada na garupa da Bicicleta do meu pai e descartada próximo a fábrica da Antártica. Longe nos nossos olhos e da nossa casa. Salvo conduto para nunca mais voltar. Largada a própria sorte.
Eu e meus irmãos nunca mais tivemos com nenhum outro animal o mesmo apego que tivemos com a Brigitte e ficamos por muitos anos, com o olhar no horizonte, esperando vê-la voltar para casa pela linha do trem. Ela nunca mais voltou. Deve ter morrido atropelada ou talvez de fome. Lembrei-me da nossa cadelinha vira lata, quando semana passada, o prefeito Zanatta anunciou um aumento significativo nos recursos para cuidar, castrar e atender os animais de rua.
O programa de atendimento e castração de caninos e felinos, por exemplo, passará de uma média de 120 para 1200 atendimentos anuais. Isso é dez vezes mais do que atendemos hoje. Cabe salientar também que isso só foi possível pela participação da vereadora Ana Paula Machado (PTB) e Gustavo Oliveira (PP) com emendas impositivas.
Somente este ano, com um aporte via emenda do Deputado Federal Mauricio Diezidrick, mais as emendas dos vereadores, serão mais de 300 mil reais para a causa. Nunca antes na história desta cidade se evoluiu tanto na causa animal. Nunca antes foram destinados tantos recursos para uma questão que todos os governos diziam se importar, mas na prática pouco ou nada faziam.
Além de animais de pequeno porte os maiores serão atendidos e não somente com castrações também outros atendimentos veterinários e, eventualmente, até eutanásia, quando a morte é alívio para o animal.
Se no tempo da Brigitte houvesse esta preocupação com os animais de rua e este auxílio a quem não pode pagar uma esterilização, talvez meu pai nunca tivesse abandonado nossa cachorrinha. Talvez ela morresse de velha brincando conosco até cair os dentes. Vá saber.
Parabéns para todos nós, pois parafraseando o vereador Gustavo de Oliveira, que citou Mahatma Gandhi no seu discurso no dia da divulgação do programa “A grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo que trata seus animais”. Ainda falta muito, mas crescemos um pouco como administração.