Lembro-me das passagens de ano de minha infância quando morávamos “lá fora”.
Éramos pequenos e adormecíamos cedo. Os adultos, os pais e avós maternos, mantinham-se em vigília, aguardando a meia-noite para os desejos de feliz ano novo. Jogavam baralho, pife ou escovão, para que as horas não travassem.
Faltando alguns minutos para a passagem de ano, nossa mãe nos despertava do sono dos justos para participarmos do rito de ano-novo. O jogo de cartas era interrompido. Ao longe fogos espocavam e aguardava-se a hora oficial da meia-noite: o apito do frigorífico Renner, que se fazia ouvir lá fora, também. Mais tênue, mas perfeitamente identificável. O avô Oscar abria uma garrafa de vinho ordinário, daqueles a que tinha acesso o bolso de um funcionário públicosob o tacão dePerachi Barcellos. As crianças mal molhavam os beiços no copo em que a mãe bebia, e voltavam para a cama. Não demorava, também, o ritual dos velhos. Repartiam a garrafa única, desejavam-se feliz ano-novo, amontoavam metodicamente o baralho, e se iam dormir.
Os judeus, quando comemoram os seus anos-novos, costumam se desejar “um bom e doce ano-novo”.
Àquela época, filtrados por olhares infantis, todos os anos eram bons e doces.
A vida começa a se complicar quando temos os primeiros boletos a pagar. Os adultos não temos a isenção infantil quando julgamosos tempos. Este ano que se termina, o elegemos o pior ano de nossas vidas. Temos alguma razão, mas o mi-mi-mi é grande.
Uma crise sanitária gerou uma crise econômica que gerou desemprego que gerou pobreza. Osistema de saúde, sempre debilitado, mostrou-se como de fato é, precário.
Em períodos de nuvens, quando não há solaridadesuficiente, se instalam as trevas.
A falta de informação e a má informação levam as pessoas ou ao completo medo e à ansiedade aguda,ou ao total desprezo aos menores protocolos de prevenção ao contágio pela COVID-19.
Indiscutível a recidiva da pandemia pós aglomerações toleradas como nas campanhas eleitorais, feriadões e natal. A medicina prevê para janeiro o pico de casos de infecção. Será quando estaremos gozando a vida em locais paradisíacos em que só faltam leitos de UTI. Será quando os que ficarem na cidade, disputarão a atenção médica.
À meia-noite do dia 31 de dezembro poderemos escolher se teremos um bom e doce 2021 ou se vamos começar o ano como terminamos este.
O dia consagrado à confraternização universal pede uma chance de ter uma passagem com confraternização núcleo-familiar, sem aglomerações. Ao fazermos isso, garantiremos que estaremos presentes nos rega-bofes futuros com familiares e amigos.
Agora, mais do que nunca, lembro-me das passagens de ano de minha infância quando morávamos “lá fora”.
Um bom e doce 2021 a todos.