Não faz muitas décadas que se fala em aquecimento global. Não sei se, de repente, ligou-se o forno de micro-ondas global, ou se estávamos sendo escaldados lentamente, como a perereca da estória- aquela. Os coachs que andam por aí, gostam muita de contá-la.
É assim: se pegarmos uma rã com o fim de aferventá-la viva e a colocarmos em uma panela com água fervente, o anuro saltará olimpicamente do recipiente para fora. Não haverá ensopado de rã. Ao contrário, se pusermos a perereca em uma panela de água fria, se sentirá em seu habitat natural e se quedará curtindo pacificamente a água fresquinha. Então, como nossos planos são malignos e inexoráveis, a rã não há de escapar à nossa inventividade. Começa-se a aquecer a água da panela em fogo brando. O batráquio vai gostar da tepidez que envolve seu corpinho gosmento e seu organismo inicia um processo de adaptação gradual. À medida que aumentamos o fogo sob o fundo da panela, a bichinha vai se acostumando à nova temperatura, vai entrando em um torpor traiçoeiro, totalmente indiferente à temperatura que vai cozinhá-la. Assim, temos perereca cozida em fogo brando. Moral da história (do tempo em que histórias deveriam, obrigatoriamente, trazer uma moral): se somos expostos abruptamente a uma nova situação, reagimos refratariamente a ela. Saltamos da panela. Quando os câmbios vêm de forma lenta e gradual, torna-se mais segura, como a abertura política institucional do regime militar planejava ser. Vamos nos aclimatando com as temperaturas em transiência e, quando nos damos por conta, estamos devidamente escaldados, prontos para sermos servidos como uma exótica iguaria.
Então, não sei se estamos sendo escaldados há muito tempo, ou se o aquecimento global foi ligado agora, recentemente. O fato é que tenho lembranças de verões intermináveis, pois o tempo é coisa relativa. Um orgasmo dura nanos segundos, mas um Verão sem ventilador ou ar condicionado é perpétuo.
Atravessávamos os dias procurando uma sombra por onde passasse uma aragem que pudesse movimentar alguma folha ou secasse por um átimo uma gota de suor. Quando não sob os olhares vigilantes dos pais, arriscávamos nos banhos de rio ou de açudes, quase secos. O pobre sonha de dia no Verão. Sonha com a noite, quando o bico de luz incandescente se apaga. Ainda que abafadas, as noites nos poupam da inclemência dos raios solares. Tudo é sombra. E, às vezes, soprava um ventinho abençoado, como dizia minha mãe, auxiliando a natureza com uma tampa de caixa de sapatos como se fosse um leque.
À noite, como os animais noturnos, saíamos das tocas. Com o asfalto ainda dispersando o calor que acumulara durante o dia, atravessávamos a cidade para a principal diversão dos janeiros daquele tempo: o campeonato de Verão de Futebol de Salão do Taninão. Dentro do ginásio não era menos quente, mas pelo menos os que não podíamos ir ao mar, tínhamos futsal de qualidade para nos ajudar a suportar a canícula (calorão, gente!).
Os quarenta graus de hoje são explicáveis. Aquecimento global, fenômeno la Niña, etc. No meus tempos de guri era só Verão mesmo, uma das quatro estações.
A popularização tecnológica permite que hoje tenhamos ambientes domésticos climatizados. Pode nos levar a imaginar que os verões modernos sejam menos torturantes do que os antigos foram. Mas, não. Está piorando. O meu ar condicionado é que me engana. As planilhas da Ciência estão demonstrando que a temperatura do planeta está aumentando por obra nossa. A tecnologia que nos ameniza o calor é a mesma que se retroalimenta dos recursos naturais, desequilibrando o ecossistema terreno.
Somos a rã jogada na panela. Está quente, mas não tanto. Se entendermos que não se trata de uma jacuzzi de hotel, ainda podemos saltar, antes do cozimento lento, gradual e seguro.