Lembro da primeira vez em que vi um acidente com vítima na travessia da RSC-287, zona urbana da cidade. Era 1973 e descíamos de bicicleta, eu na garupa de meu irmão Paulo, pelo acostamento da rodovia no sentido Saco Triste-Centenário (àquela época não havia vila Cinco de Maio). Ao nos aproximarmos da baixada entre as ruas Getúlio Vargas e Ramiro Barcelos, percebemos a aglomeração de curiosos e o trânsito se desviando de algo. Era o corpo de um homem que, na tentativa de alcançar a vila Santo Antônio, empurrando sua velha bicicleta, acabara de ter seu crânio esmagado pelo rodado de um caminhão.
Por muito tempo, nada havia que fizesse reduzir a velocidade de carros e caminhões que atravessavam a cidade. Em qualquer sentido dos deslocamentos, aproveitavam-se da geografia local, que lembra uma curva da banheira, para acelerar declive abaixo, de modo a vencer melhor o aclive seguinte. No fundo da bacia, a parte plana, onde os bólidos estavam à máxima velocidade, as travessias aconteciam. Se o perigo está instalado e é inevitável o vaivém dos moradores, o risco de acidentes escala vertiginosamente.
A ERS-287 atalha Montenegro no sentido leste-oeste, separando historicamente os bairros do norte do município, que são limítrofes com a zona rural, dos centros administrativo e comercial. A “faixa” sempre foi o muro de Berlim dos montenegrinos. A discriminação dos bairros Santo Antônio e Panorama, em razão do isolamento, desvalorizava imóveis e produzia a guetização dos moradores e o enfraquecimento do comércio.
Somente nos anos oitenta, como ação mitigatória, o DAER instalou dois quebra-molas deitados sobre a pista.Nos noventa, houve a substituição das rampas físicas pelas apelidadas lombadas eletrônicas. Instaladas à jusante das travessias, em ambos os sentidos da via, permitiam que os condutores só desacelerassem a metros dos dedos-duros eletrônicos, passando a velocidades consideráveis pelos pontos de cruzamento. O maior obstáculo, entretanto, à fluição entre os bairros e a cidade sempre foi otráfego da RSC-287, especialmente em horários de pico, quando inseccionáveis bichas de automóveis e caminhões impedem o cruzamento da estrada para ambos os lados.
Das muitas e eternas discussões sobre a melhor solução para o problema, sempre contingenciadas pelas alegadas falta de recursos e/ou representatividade política das administrações municipais, chegamos ao que ora temos: as recém-construídas rotatórias nas intersecções da Ramiro e Coronel Antônio Inácio com a RSC-287 enriquecidas com pistas laterais para acesso aos bairros e centro. Como minha vida se resume a atravessar várias vezes por dia a RSC-287, tornei-me um teste padrão. Paciência e direção segura são postas à prova. E lhes digo: melhorou. Para o trânsito de veículos, melhorou muito. Entendo, entretanto, que a obra está inacabada. Com a mesma força política que se buscou as rotundas, a Administração deve cobrar do Estado a construção de passarelas aéreas para pedestres.
E, futuramente, ao pedestre que atravessar a faixa pela sombra das passarelas, dar-se-lhe-á com um cachorro-do-mato morto na cabeça.