Quando eu tiver 64

Em uma das aulas de Inglês que me dava a querida e saudosa professora Márcia Rigon no início dos anos 2000, perguntou-me qual música dos Beatles era a minha preferida. Sua intenção era que ouvíssemos a canção e que eu tentasse compreendê-la de ouvido. Respondi-lhe que não sabia dizer se era exatamente a minha música preferida, mas era uma que me despertara a curiosidade desde a adolescência.

“When I’m Sixty-four” é uma canção que já soava antiga mesmo em 1966, ano em que foi gravada. Paul McCartney a compôs em 1964 para agradar a seu pai que, no início daquele ano, completara 64 anos de idade. O estilo é o de uma música dos anos 20 do século passado, meio folk americano, meio music hall londrino, nostálgica ao revés, pois McCartney compôs a melodia quando tinha, no máximo, 16 anos – descobrimos a professora Márcia e eu. Talvez, inconscientemente, eu fora atraído justamente por aquilo que o menino Neymar veio a definir como “saudade do que ainda não vivemos”. Quando eu ouví a música pela primeira vez, também estava com meus quinze ou 16 anos. Talvez, dezessete.

Eu tinha uma imprecisa ideia do que dizia a letra da música que eu tentava cantar como o quinto Beatle, soltando a voz desafinada em um Inglês com acento gaudério. Embromation, mesmo. Agora, tendo aulas executivas, particulares, com a professora Márcia Rigon na Escola Yázigi, poderia entender todo o contexto e, talvez, melhorar as pronúncias de cada vocábulo, caprichando no acento britânico.
O título da canção é quase de tradução intuitiva: Quando eu tiver 64.

“Quando eu tiver sessenta e quatro, perdendo o meu cabelo, de aqui a muitos anos, você ainda me mandará presente pelo dia dos namorados? Saudações de aniversário? Uma garrafa de vinho? Você ainda precisará de mim, ainda vai me alimentar quando eu tiver sessenta e quatro anos? Você estará mais velha, também”.

Os tempos eram outros, eu bem sei, mas parecia normal aos jovens, românticos e bonitos por natureza (todos os jovens são bonitos, e não há exceção), idilicamente desejarem se apaixonar por uma pessoa com quem envelhecessem e que fizessem falta um ao outro no ocaso da vida, como diria o poeta rococó. E eu, naquela idade mais tenra do que broto de alface hidropônica, me punha a conjecturar – com Paul – se eu teria ao meu lado alguém que atravessara o mar da vida comigo, a quem eu fizesse falta e para quem eu ainda gostaria de ser útil, quando chegasse aos 64 anos.

Eram apenas devaneios,próprios dos piás mais ensimesmados, que duravam o justo tempo da segunda faixa do lado B do disco Sargent Pepper’s Club Band and Lonely Hearts, e que se esvaneciam no chiado da faixa seguinte, pois, a provecta idade do pai do Paul, estava além do horizonte daquele menino magro, cabeludo e dentuço que eu era.

Paul McCartney está vivo e ativo aos 79 anos. Contam que ele e Linda, sua mulher de 1969 a 1998, quando faleceu, não dormiram uma única noite separados. Linda não esperou Paul chegar aos 64, mas, certamente, ainda lhe faz falta.

Volver alosdiecisiete não dá, cara Violeta. Melhor tocar a vida para frente. Espero chegar aos 64 saudável e necessário para a minha mulher. Espero receber um mimo no dia dos namorados quando tiver 64. Espero abrir uma garrafa de vinho com ela quando eu tiver sessenta e quatro.

Agora falta pouco e tudo se cumprirá como nas fabulaçõesdo menino.

Ao contrário de Paulo Coelho que se sentou na margem do rio Piedra e chorou, à beira do Rio Caí eu sessentei e sorri.

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