A capital de todos os gaúchos deu exemplo de democracia e diversidade ao eleger em 15 de novembro para a sua Câmara Municipal quatro vereadoras negras e um negro. Uma das vereadoras é assumidamente lésbica. Diferente dos tempos em que negros ex-jogadores de futebol se elegiam pela bola que um dia jogaram e não exatamente pela representatividade política e social, Porto Alegre conseguiu equilibrar as forças diametrais, antagônicas e cada vez mais polarizadas, entre conservadores e progressistas, ou – como queiram – direita e esquerda.
A sessão inaugural da nova legislatura serviu para que este pessoal demonstrasse o perfil de suas convicções que, por certo, balizarão suas atuações parlamentares. O vereador estreante Matheus Gomes (PSOL)não cantou e permaneceu sentado durante a execução do hino Rio-grandense, um dos símbolos do estado do Rio Grande do Sul, obrigado a ser tocado mesmo antes de partidas de futebol abaixo do Mampituba.
A gauchada montou no pingo e levou a mão ao mol da barriga, buscando a prateada.
A vereadora Comandante Nádia (DEM), ao discursar, acusou seu colega de cometer “ uma descompostura ao não se levantar durante a execução do hino” e que o vereador deveria primeiro respeitar os símbolos oficiais do Estado.
A atitude do vereador, que também é historiador, instaurou um grande debate pelas redes sociais e outras plataformas, com opiniões as mais diversas e contundentes.
“Não temos obrigação nenhuma de cantar um verso que diz: ‘povo que não tem virtude acaba por ser escravo’”, justificou-se Matheus.
Para os críticos do gauchismo heróico, como o historiador Tao Goline, provavelmente agora, do movimento negro, “pode-se deduzir que “os escravos não tinham virtude”; e por não a ter, logo, foram “escravizados.”
Ao se considerar o racismo velado na letra do hino, para que justiça se estabeleça, é necessário reinventariar todo o movimento tradicionalista gaúcho. O julgamento do mérito deixo para juízes mais qualificados.
Trata-se, entretanto, de discussão gerada no bojo essencial da democracia representativa, no momento em que a capital de um dos mais tradicionalistas estados da República abre-se à diversidade de ideias e, logo, a debates profícuos, capazes de amalgamar um futuro mais igualitário. Eis, aí, um dos fundamentos de um parlamento.
Defronte o Porto das Laranjeiras, no dia da confraternização universal, tomaram posse os oito vereadores e duas vereadoras eleitos passado novembro. Juraram cumprir a Lei Orgânica do Município, trocaram-se tapinhas nas paletas, e elegeram por unanimidade a mesa diretora da casa. Não houve debates nem discussões. Não se gerou luz nem calor.
As discussões já haviam acontecido nas semanas anteriores às posses, quando veteranos ávidos e novatos como veteranos exerceram com maestria a milenar arte de negociar sinecuras por apoio político à Administração. Cadê a virtude desse povo?
Porto Alegre é demais.