Pé na areia, água fria

Não sei onde eu andava quando o Criador resolveu empreender neste planeta, que não participei da reunião de condomínio. Teria uma série longa de sugestões de melhorias da infraestrutura e do paisagismo. Acho que melhorariam a integração entre a natureza e os seres humanos.

Por alguma razão, convencionou-se que tempo de estio – o popular “verão”- é época de movimentos migratórios internos intensos, quando a parte verde-amarela da humanidade ruma para o leste em busca de refrigério e sossego (oi?!). Parcela menor, a que intromete o vermelho entre o verde e o amarelo, e bebe mate a 60 graus centígrados para refrescar, tem menos sorte que os irmãos do “norte” (do rio Mambituba, o nosso Rubicão) e sofre mais revezes (contratempos, aqueles, que os nordestinos nacionalizaram como “perrengues”).

Explico-lhes. À aludida reunião de condomínio primordial, não fui o único ausente. Toda a gauchada, parece-me, faltou ao compromisso, motivo que faz-me crer, foi agendado para o primeiro 20 de setembro da história, dia em que a bagualada não perde o desfile farroupilha. São especulações, deixo claro, mas não sem vestígios de verossimilhança. Talvez, alguns caiçaras de Torres, cidade praiana lindeira com Santa Catarina, tenham participado da primeva assembleia condominial, ou foram representados pelos vizinhos do outro lado do rio. Se não, por que causa, motivo, razão ou circunstância as praias do Brasil ensolaradas, o chão onde o país se elevou, a mão de Deus abençoou e o litoral abaixo do Mampituba não recebeu nenhum cuidado especial? Nenhuma enseada, nenhum arrecife, nada de baías, barras, cabos, falésias. Nenhum capricho metódico. Em vez disso, um litoral reto que nem goela de joão-grande, do Arroio do Sal ao Chuí.

Que outras motivações sensoriais nos compensam a escassez dos apelos visuais? Nada. Tomo como castigo a água fria, nervosa e achocolatada do mar gaúcho, a açoitar os lombos dos que ousam lhe furar as ondas.

Oquei, oquei! As coisas não são assim, irremediáveis. Admito que a engenhosidade humana promoveu algumas transformações ambientais ao longo do tempo, capazes de mitigar a desafeição telúrica dos gaúchos pelo seu litoral.Condomínios de luxo e resorts mimetizam a natureza de outros litorais, plantam palmeiras das Caraíbas, constroem piers e acessos exclusivos para as lagoas doces que os circundam e garantem a segurança que os habitués não acreditam haver à beira-mar. Praias como Xangri-lá, por exemplo, tornaram-se points de turistas e proprietários endinheirados que não pisam na beira do mar para tomarem suas caipirinhas, água de coco, cervejinhas. Lá, tudo pode acontecer, inclusive nada, sem a necessidade de atravessar para o lado leste da Estrada do Mar. Mas quando enchem o porta-malas, dizem: vamos para a praia!

Se estivesse presente naquela assembleia inicial, teria sugerido ao síndico supremo alterações no projeto geral. Em vez de areia, gramados verdejantes e calçadões de Copacabana. Em vez de chocolatão raivoso e frio, as piscinas límpidas de Maragogi. E faria registrar tudo em ata, que é para cobrar das modernas incorporadoras de luxo os royalties a que faria jus. Areia e água fria nunca mais.

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