Os ponteiros

Quando os presos políticos e militantes de movimentos contra a ditadura militar torciam contra a Seleção Brasileira em 1970, não dirigiam seus maus augúrios aos jogadores em geral ou a algum em específico. Para opositores do regime, se o Brasil voltasse do México com o caneco, seria uma conquista do governo linha-dura de Emilio Garrastazu Médici (1969-1974). A Seleção vinha de um fiasco na Copa da Inglaterra em 1966. O regime certamente contava com o sucesso dos canarinhos no México para tirar vantagem política.

Os generais, pragmáticos, já haviam influenciado a remoção do treinador quinta-coluna, o militante do Partido Comunista Brasileiro, João Saldanha, do comando técnico do escrete canarinho. A Confederação Brasileira de Desportos – CBD – convocou Mário Zagallo para treinador e um capitão do Exército, Carlos Alberto Parreira, como auxiliar. O elenco? Bueno, o elenco não incomodava. Se entre os convocados havia alguém, ou alguns, que intimamente não simpatizavam com o regime, não opinavam. Sacumé, melhor não mexer no abelheiro.

Se a conquista definitiva da taça Jules Rimet se volveria em enorme peça de propaganda do regime militar ditatorial, melhor que não acontecesse. Assim, a militância envolvida na luta para a derrubada da ditadura preferiu não torcer a favor, não vibrar com os gols de Pelé, Tostão e Jairzinho, contados por enfáticos e fanatizados radialistas de norte a sul do país. Tomara que não ganhem, cruzavam os dedos os marxistas, concedendo ao materialismo dialético um pouco de metafísica. Nunca se ouviu, entretanto, um militante de esquerda ou de direita criticar o futebol mágico daquele time de feras, ou negar os méritos coletivos e individuais dos que formaram aquela histórica esquadra. Talvez, concordassem com uma coisa mais: Dadá Maravilha, imposição do presidente Médici, não deveria estar entre os tricampeões.

Hoje, a democracia adulta de que disfrutamos permite que jogadores de futebol se posicionem politicamente e já não é necessário torcer contra a seleção. Mas, nós nos infantilizamos. Agora, a briga é outra. Se o craque é de direita, a esquerda vibra quando ele se machuca e sai de campo amparado. Se é de esquerda – e ser de esquerda, eventualmente, é apenas se manifestar a favor de vacinas e fazer caridade, como se os de direita também não o fizessem -, melhor que desse a vaga para “um dos nossos”. A longa mão da polarização radical (pleonasmo proposital) pretensamente política, pretende alcançar aquilo que se chama time ou equipe, justamente por ter objetivos comuns e, por isso, organicamente necessitar de união harmônica. Infantilizamo-nos. Infantilizamo-nos!

Sou do tempo em que direita e esquerda dentro de campo eram o Valdomiro e o Lula. Bem abertos pelas extremas, cruzavam para a área com a precisão de um cirurgião robótico, consagrando até mesmo gente ruim de bola, como o Dadá Maravilha. E corriam para o abraço. Porque futebol sem abraço é formalidade para cumprir tabela.

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