Os dentes de cada um

Não tinham os dentes naturais nenhum de meus parentes ancestrais, incluindo pais, avós, tios e tias. Eram de uma época em que o principal tratamento bucal era a extração dos dentes à medida em que perdiam a funcionalidade e a estética. Aceitava-se culturalmente que as pessoas não envelhecessem com seus próprios dentes.

As próteses dentárias não primavam pela estética e funcionalidade, vez que materiais e tecnologia para o fabrico eram muito primitivos. Entretanto, a melhor versão de uma pessoa daqueles tempos era a que podia exibir um sorriso de um protético de grife. Aos despossuídos restavam-lhes levar a vida como edêntulos, privados de dentes, desdentados, banguelas.

Técnicas mais modernas e o surgimento de melhores materiais fizeram a indústria do sorriso perfeito escalar nos últimos anos. Se antes a busca por próteses dentárias era, principalmente, para recuperar a mastigação (chega de sopa!) e para servir de estofo para lábios murchos, agora pode-se dar ao luxo de transformarmos um sorriso que não nos agrada, ainda que não haja nenhum comprometimento funcional. Precisamos atualizara nossa melhor versão.

Por razão oposta às das artesanais chapas de ontem, o design harmônico e simétrico das atualíssimas próteses dentárias as denunciam como não naturais. Gente endinheirada passou a exibir dentes alvos de porcelana ou de acrílico, milimetricamente desenhados por computador a fim de que se encaixem perfeitamente na estrutura bucal.Os novos bocas-ricas não ostentam mais ouro incrustado nos dentes; ostentam facetas de porcelana, implantes totais ou próteses totais de última geração que lhes deixam a boca em desacordo com o restante da cara.
Ao completar 92 anos, Sílvio Santos apareceu em um vídeo doméstico- em que recomenda uma biografia sua -com a boca murcha e sibilante dos desdentados. Estava no reconforto de seu lar e, possivelmente, para aliviar o incômodo que provoca uma dentadura mal projetada, a retirou – como se faz com os sapatos apertados.

Sílvio não se importou em gravar um vídeo que –sabia – se tornaria viral.Há alguns meses, quando gravou o primeiro programa dominical depois da pandemia, trajava um dos pijamas que usara durante o isolamento social.

O Homem do Baú, sempre cioso de sua imagem, de impecáveis ternos, gestual e presença de palco inconfundíveis, além da dicção perfeita e voz tonitruante, que chegou a esconder mulher e filhas para manter a admiração do público feminino, pode estar evidenciando traços de senilidade. Ou está sendo o Sílvio Santos. Simples e autêntico, se confunde com seus telespectadores cultural e intelectualmente, embora sua crescente fortuna o descolasse da classe social do seu público ao longo dos anos. O apresentador de TV é homem rico e poderia comprar uma prótese fixa ou móvel que não lhe machucasse as gengivas, e poderia manter o largo sorriso que lhe é patente, mesmo em casa.
Buscar o motivo por que um ícone-deus da comunicação e do empreendedorismo como Sílvio Santosse revela tão corriqueiro, de pijama e desdentado, pode nos revelar um segredo de sucesso.
A melhor versão de cada um é ser autêntico. O resto são filtros, remédio para quem não se aceita.

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