Costuma-se perguntar onde estávamos no momento em que ocorreram fatos importantes, especialmente aqueles capazes de cambiar o itinerário da história. Onde tu estavas na manhã em que Bin Laden derrubou as torres gêmeas em Nova Iorque? Onde tu estavas quando Antônio Britto anunciou a morte de Tancredo Neves, aquele de quem profetizou João Figueiredo: “Tancredo Never”? Onde tu estavas quando explodiu nos ares o ônibus espacial americano “Challenger”, levando a bordo uma professorinha, comum do povo? Onde estavas quando o Grêmio venceu o Hamburgo ou quando o Inter se sagrou campeão mundial ao derrotar inapelavelmente um mítico time catalão, aquele em que jogavam Xavi, Iniesta e Ronaldinho Gaúcho? Onde estavas quando ruiu o muro de Berlim? Quando a TV mostrou um solitário desconhecido encarando os tanques blindados do Exército Chinês na Praça da Paz Celestial (eufemismo o nome dessa praça? Não seria a Praça da Paz dos Cemitérios?). E quando o Collor renunciou? Lembro a mãe contando que trocava os mijados do primogênito, Paulo, quando o rádio anunciou a morte de Getúlio Vargas, em agosto de 1954. As coisas correm normais em suas trivialidades até que, súbito, sobrevém o insólito, o marcante, triste ou alegre.
Fatos pessoais, mais íntimos, mais próprios, também fixam nossos pedacinhos no tempo e no espaço, e os chamamos, com ternura, indeléveis, inolvidáveis, inesquecíveis. Onde estávamos quando recebemos a notícia de uma perda próxima ou de um nascimento? A lembrança do lugar nos devolve os detalhes: era dia ou noite, chovia ou era um dia espelhado de sol, fazia frio ou calor, o que ouvíamos e o que fazíamos, os olores e sabores.
São fatos pontuais, cuja importância se dá pelo ineditismo ou raridade, por afetar a muitos e muito, por mudar realidades ou a percepção delas. São os “turning points” – ou pontos de virada, como diriam gurus motivacionais- de vidas privadas ou de sociedades inteiras, locais ou globais. É quando se percebe que um país que gasta bilhões em armamento não está seguro em sua própria casa; que ganhar uma eleição não significa tomar posse; que fazer subir um cidadão comum em um foguete de alta tecnologia não lhe garante retorno suave; que clubes de futebol periféricos podem ganhar do primeiro mundo; que não há muro sólido o suficiente para se manter em pé por toda a vida.
Estamos nos recuperando da maior crise climática de todos os tempos pós-diluvianos, aqui no Rio Grande do Sul. Leandro Staudt, jornalista de GZH/RBS, em sua coluna “Memória”, reporta inundação em 1873 descrita pelos jornais da época como “pavorosa” e “uma das mais desastrosas” que provocou mortes e destruição nas margens dos mesmos rios agora atingidos. Esta enchente foi suplantada em 1941 por aquela que ensejou a construção do muro da Mauá e outros equipamentos de proteção contra alagamentos na Capital.
Cientistas do clima defendem que o intervalo entre estes ciclos deve se reduzir, de forma que tais calamidades sejam mais frequentes.
Se os acontecimentos do último maio servissem de ponto de virada, a partir do qual vontade governamental e tecnologia tornassem as cidades incólumes aos efeitos das “pavorosas” enchentes, talvez por muitas décadas pudéssemos apenas lembrar de uma certa enchente de 2024:
– Onde estavas quando as chuvas se iniciaram?