Dezembro costuma ser um cessar-fogo na guerra de fronteiras que é a vida. É quando nos prometemos não invadirmos o território alheio, se não formos ameaçados de invasão da área sob nossa jurisdição. É quando evocamos os melhores eflúvios natalinos e de ano-bom para as tentativas – geralmente fugazes como o próprio período – de sermos aquela pessoa que os coachs abusam ao chamar de “a nossa melhor versão”. Importante desenvolver a tolerância consigo mesmo e principalmente com o outro. Dezembro é aquele momento em que os encontros não são apenas físicos, mas – e mais importante – com o seu eu interior.
É assim: procuro manter-me em paz e harmonia com todos, deixando ideologias, crenças religiosas ou ateístas, mágoas e incompatibilidades geniais de lado (ainda que restem apenas hibernadas) em nome da boa convivência dezembrina. Tudo com limites, pois paciência era uma qualidade de Jó, não minha. É trégua com data para acabar.
A sensação de que alguma coisa está terminando, somada ao fato de que o duodécimo mês prenuncia um novo ano, e que durante o mês há as comemorações de natal e ano novo, torna o dezembro um eficaz ansiógeno, capaz de levar muita gente – os que podem – aos consultórios de psicólogos e psicanalistas, ou iniciar crises depressivas que contribuirão para aguar o chopp das festas familiares.
O que acontece de fato, é que sentimentos antagônicos nos tomam – em risível tentativa de se homogeneizarem em nosso interior–levando-nos a níveis insuportáveis de bipolaridade adquirida passageira (patologia que acabo de inventar) em que toda a excitação pelos reencontros, pela expectativa de que o próximo ano será – enfim – o tempo das realizações pessoais, das curas e da paz, convivem com lembranças de perdas, de planos gorados, da finitude de tudo que era eterno, de que tudo se repete debaixo do sol e é possível que nenhum dos nossos quereres se consubstanciem em corpos palpáveis no ano novo.
O psicanalista Christian Dunker, professor do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, diz que “ocorre um rompimento com o que vivemos nos últimos 11 meses. As festas familiares nos remetem a pessoas que já partiram e não fazem mais parte daquela comemoração, motivo mais do que suficiente para um quadro de depressão. A expectativa de novos planos se mistura com as frustrações dos planos que não foram concretizados” (in: jornaldausp.com).
São sentimentos tão antípodas a secretar hormônios na corrente sanguínea que o vivente entra em crise existencial. Não sabe se ri com a dosagem cavalar de dopamina, ou se chora no cantinho, envenenado pelo cortisol. É como se o grupo terrorista Hamas estivesse atacando de um lado e o exército israelense invadindo de outro. Quem estiver no meio, proteja-se entre os escombros do que fora construção. Metáfora, metáfora!
Não minimizo a importância dos dezembros nas vidas das pessoas e lhes dou boas-vindas. Mas, picado por cobra, previno-me até das linguiças.
Se eu não me cuidar, janeiro chegará e haverá apenas boletos de dezembro a vencer:literais e emocionais.