Ócio e Ofício

Em agosto de 2022, a empresa para a qual trabalhei por quase 25 anos resolveu que ciclos de coexistência podem ser finalizados unilateralmente, sem as aconselháveis DR – as discussões da relação, tão frequentes em casamentos longos. No mundo corporativo, as DR se chamam ciclos de feedback. O chão de fábrica, incorrigivelmente gaiato, costuma traduzir o termo em inglês como “levar atrás”, em alusão a que, na maior parte das vezes, o chefete “come o toco” do peão.

Em verdade, o tal feedback deveria ser um hábito mais orgânico do que formal nas empresas, de forma que gestores e subordinados se afiassem como ferro afia ferro, melhorando ambos suas performances e entregas, e nunca uma das partes fosse surpreendida com o fim da relação.

Empresas com culturas narcísicas – onde há reizinhos plenipotenciários -, embora possuam bem escritos programas de avaliação de seus “colaboradores”, os usam apenas para os relatórios de governança corporativa, sempre bem editados e produzidos. Ninguém sente firmeza neles, pois, cumpridas as protocolares avaliações dos subordinados pelos chefes, um comitê segundo a vontade do reizinho se encarregará de impor as vontades reais.

Assim que, pela benemérita vontade de alguém que me poupou de sua opinião sobre meu desempenho e entregas, fui ejetado de uma tabela de turno rodiziantes para o merecido descanso dos jubilados. E foi assim por dois anos.

Nestes dois anos sabáticos, voltei à vida da cidade. Quem trabalha em turnos necessita acumular mais energia dos que os chineses BYD – esses carros eletrificados que andam por aí – para a convivência social. E, euzinho, sempre preferi a quietude das poucas presenças do que os folguedos, embora possa parecer paradoxo, pois “folguedo”, etimologicamente, nada mais é do que folgar, divertir-se, recrear-se com outros, como nas festas populares.

Voltei a dedicar-me àquelas coisas que o tempo entregue à faina de trabalhar não permitia havia anos. Passei a frequentar o Parque Centenário pelas manhãs, onde escrevia minhas linhas para esta coluna de jornal. Colocava os pensamentos em dia e dirigia gratidão aos céus, mirando a abóboda azul que envolve a minha terra, e os eucaliptos e acácias cheirosos do lugar. Vagava pelas ruas e ruelas da cidade encimando a motinho elétrica que não exige emplacamento nem habilitação. Assistia streamming de filmes e documentários. Dormia tarde. Fazia as refeições saudáveis e moderadas que me prepara a Andréa, este santo anjo do Senhor, zelosa guardadora de minha saúde física e mental.

Uma fugidinha a um café para um “passado” na hora, acompanhado de uma fatia de Marta Rocha, aquela torta que os geracionais de hoje nem sabem do que se trata.

Treinei boxe para manter o peso e os músculos. Treinava a dicção gravando textos que, depois, apagava. Cantava acompanhado por aplicativo de karaokê, escondidinho em meu estudiozinho, e também apagava para não haver evidências objetivas de meu desafinamento.

Escrevia as colunas semanais para o Ibiá com a lentidão dos que têm tempo a perder, rebuscando as palavras, corrigindo, deletando e refazendo. Apresentei inauguração de partido político e cerimônia de filiações. Fui coadjuvante das obras sociais que Andréa tão bem atende.

Em julho de 24, entretanto, o mundo corporativo me chamou outra vez. A experiência inventariada em quarenta anos de petroquímica, agora pode ser compartilhada com a indústria química.
O dulce far niente da aposentadoria me proporcionou aproveitar as coisa mais prazerosas da vida, como o redescobrimento da minha cidade, por exemplo. Porém, é perfeitamente possível encontrar prazer no trabalho.

Empresas onde não haja reizinhos atentando contra a cartilha dos valores que deveria defender, são lugares para se trabalhar com prazer.

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