O velho e o clássico

A vocacionada professora e circunstancial Secretária da Educação, Cíglia da Silveira, identifica-se com algumas das memórias que rebusco em minhas crônicas e, por este motivo, perguntou-me o número de vezes que já transladei-me elipticamente em torno do sol. Quero dizer: perguntou-me o número de anos, a idade. A professora vê em mim certa juventude de que já não mais desfruto. O DNA dos longevos Rangel e da Rosa, de parte paterna (lá da Taquara do Mundo Novo, distritos que hoje pertencem a São Francisco de Paula, José Velho e Recosta) talvez justifiquem as aparências.

Somos contemporâneos, eu e a professora Ciglia. Nada mais explica as memórias coincidentes de tempos que foram ontem e hoje já não são há muito tempo.

A conversa, que envolveu a também professora Riviane Bühler, derivou-se sobre o estilo que uso – ou tenho – para escrever. Convimos que não se trata de leitura para a gurizada das múltiplas telas e dos vídeos rápidos, dos memes, dos áudiosescutados em velocidade duas vezes mais rápidos. Não são os meus textos para os sem-paciência digitais que jamais leriam um textão com vocábulos que, para eles, estão em desuso, de construções frasais que demandam que se detenha um pouco mais no texto para decifrar-lhe o sentido.

Se herdei genes da eterna juventude (ou, pelo menos, da longevidade) dos ancestrais paternos, os genes escrevinhadores vieram do ramo materno. Nossa mãe, dona Ayda, nos contava que escrevera poemas, publicados nas páginas do jornal O Progresso, lá no início dos anos 50. E, para demonstrar seu talento, declamava uma de suas obras, homenagem ao político gaúcho Salgado Filho, morto em acidente aviatório em 30 de julho de 1950. Contava-nos que se saía tão bem nas leituras e composições (assim se chamavam as redações atuais), que recebeu convite da mítica professora Elita Leipnitz Griebeler para se iniciar como professorinha primária, o que não foi permitido pela vontade paterna, sabe-se lá por que motivo. Todos os filhos têm, em maior ou menor grau, vontade pela leitura e, alguns, escrevem.

Então, que só escreve com algum estilo quem é ledor contumaz e versátil. Leitor monotemático não terá a diversidade vocabular e sintática requerida para escrever regularmente sobre assuntos vários, como é o caso dos cronistas.

A paixão pela formação das palavras e o uso delas, de forma a não deixar que um textão se torne enfadonho – por repetitivo -, colaborapara a clareza das ideias a serem expostas. Assim, trouxemos à memória – as duas professoras e eu – as memoráveis aulas do professor Pedro Pinto da Silva, dedicadas aos radicais gregos e latinos, os compostos eruditos,de que se valem todas as línguas modernas e todos os ramos do saber, por seus significados precisos. Um guri alfabetizado a partir dos anos dois mil, talvez não saiba de que se trata “entomologia”, por exemplo. Outros saberão que é o estudo dos insetos. Muito poucos saberão que a palavra é composta pelos radicais gregos “entomós” (inseto) e logos (fala, discurso, pensamento, estudo de algo). Para a maioria jamais interessaria saber.

De modo que os leitores, como as professoras Ciglia e Riviane, a quem agradammeus textos, às vezes se identificam com as vivências narradas, mas,majoritariamente, agradam-se de ler bons textos de um esforçado aluno dos professores Pedro Pinto e Isabel Funk.

Portanto, professora Ciglia, não sou novinho nem velho (como a senhora também não é).
Permita-me o auto gabo: sou um “clássico”.

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