O ano da Graça de 1982 prometia ser dos melhores da década recém iniciada que, depois, veio a chamar-se “a década perdida”. Embora por razões macro-econômicas, a qualificação dos anos oitenta como desperdiçados, para mim, incluía outros motivos.
Aquele era o ano dos meus vinte. Esperava – inocente, egolatra e quimericamente – um ano inesquecível para marcar o meu vintenário. Senão, vejamos: a seleção brasileira de futebol reunia Falcão, Zico, Sócrates e Toninho Cerezo. Oquêi, oquêi, tinha o Serginho Chulapa, mas este entrou na cota dos cabeça-de-bagre. Era o melhor time já formado desde 1970 e ninguém gozando de boa saúde mental faria um “bet” em outra seleção para ganhar aquele mundial na Espanha. Por outro lado, a Seleção brasileira havia levantado a taça do bicampeonato no Chile em 1962. Se ganhar a no ano em que nasci, era evidente que ganharia também no ano em que me tornei vintão. O universo conspira, vocês sabem.
Seguindo meu lógico raciocínio, aquele seria o ano em que deixaríamos para trás os filhotões da ditadura para escolhermos pelo voto popular um governador de oposição. Ora, o último governador eleito fora Ildo Meneghetti em 1962. Meus verdes 20 anos seriam devidamente comemorados com o advento da primeira eleição direta para governador após a instauração do regime de exceção que perdurou até 1985. Que homenagem! Concorriam naquele pleito contra o candidato situacionista, Jair Soares, homens como Pedro Simon e Alceu Collares, cujas oratórias me encantavam e, juntos com o senador Paulo Brossard, me levaram a comícios no pavilhão ao lado da Igreja Matriz, aqui em Montenegro, lá em 1978 (eu tinha 16 anos, façam as contas). Olívio Dutra era o candidato do PT, fundado dois anos antes. Nada poderia dar errado: eram os meus 20 anos. O universo conspira, vocês bem sabem.
Os mais anos os sabem e os jovens saberão agora, que minhas expectativas se frustaram, senão totalmente, em parte. Sim, a abertura política dos generais, lenta, gradual e segura, permitiu eleições diretas para governadores. Mas, o espetacular futebol arte do brasil não trouxe a taça do tetra. O que houve foi a “tragédia do Sarriá”, vitória do futebol pragmático dos italianos na segunda fase da Copa da Espanha. Jogamos como nunca e perdemos como sempre, desde 1974. Ganhamos o tetra somente em 1994 e Dunga foi o símbolo daquele campeonato. Pragmatismo, certo?
Aos vinte anos damos muita importância a copas do mundo de futebol. Naquele julho de 82, como bem descreveu Falcão, foi como se tivéssemos perdido um parente próximo, tal a depressão pós-Sarriá.
Restava o quinze de novembro, dia em que voltaríamos a escolher nosso governador. O voto popular removeria do poder os que apoiavam o regime de exceção. Como generais usam gandola mas não dormem de touca, o multipartidarismo foi autorizado e pulverizou a oposição. Simon, Collares e Dutra se dividiram por interesses pessoais e partidários e entregaram a primeira eleição democrática para governador do Estado a Jair Soares, político que fez carreira servindo a “revolução” das Forças Armadas. Era o prenúncio de que aquela década seria mesmo perdida. Naquela eleição, pelo menos, Montenegro elegeu um deputado estadual e um federal: Roberto Cardona e Rosa Flores, este último já de há muito não residente na cidade.
No ano em que comemoro sessenta anos redondos, já não sou tão inocente nem ególatra nem quimérico. O Brasil de Neymar não encanta a ninguém. Não há terceira via capaz de incomodar Lula e Bolsonaro. Montenegro tem cinco candidatos à Assembleia e nenhum se elegerá, mas ajudarão proporcionalmente a eleição de paraquedistas que por aqui despencam de modo bissexto.
Aprendi a ser pragmático como os generais, como os italianos da azurra e com Dunga. Não tenho mais vinte anos.