Parece não haver adultos na sala. A frase do escritor israelense Yuval Noah Harari, autor do best-seller “Sapiens: Uma breve história da humanidade”, define a falta de lideranças políticas globais durante os dias que se seguiram ao anúncio da OMS – Organização Mundial da Saúde-, de que a rápida transmissão do novo corona-vírus elevara a categoria da Covid-19 de epidemia à pandemia. “Por semanas, esperava-se que houvesse uma reunião de emergência dos líderes mundiais para desenvolver um plano de ação comum como em crises globais anteriores, tal qual a financeira de 2008 e a epidemia de Ebola de 2014, quando os Estados Unidos assumiram o papel de líder mundial”, escreveu Harari. Desta vez, para o escritor, o governo americano (2020, Donald Trump) abdicou da tarefa de líder.
Não existe dúvida de que há um vácuo de lideranças em vários setores da vida sócio-política. Aristóteles já dizia que “a natureza tem horror ao vácuo”. Tratará, sempre, de ocupar o espaço vazio. Ora, se o vácuo for de liderança (ainda que existam “líderes”), será ocupado, muito provavelmente, pela cacofonia das muitas e barulhentas vozes de oportunidade.
É o que se percebe, por exemplo, neste grande foro das redes sociais virtuais. Ali se permite os gritos opinativos, os sussurros dos covardes, os inapeláveis juízos de valor, os tribunais de exceção. Ali não há diplomatas nem pacificadores. Não há mediadores. O que se busca é a imposição dos pensamentos, por apego pessoal e sem nenhum propósito de troca. Ali a realidade não está baseada em fatos, mas em opiniões. Ali elegemos nossos inimigos e os atacamos com fúria de dragão. Trata-se de um extrato de toda a sociedade: dividida, polarizada, intolerante.
Para o filósofo espanhol José Ortega Y Gasset (1883 – 1955) em A Rebelião das Massas, “uma sociedade dividida em grupos discrepantes, cuja força de opinião fica reciprocamente anulada, não dá lugar a que se constitua um mando. E como a natureza tem horror ao vácuo, esse oco que deixa a força ausente de opinião pública enche-se com a força bruta”.
Inúmeros estudos demonstram que é importante que líderes sejam o modelo a ser seguido. A eficácia da liderança está ligada ao que se chama de “influência idealizada”. Os líderes precisam ter os comportamentos voltados a criar um ambiente de confiança, ter o caráter de um servidor, sacrificar seus ganhos pessoais e criar um senso de missão em comum. Bem, bem. Estamos, de fato, acéfalos.
A falta de lideranças legítimas leva a que cada um pense e aja por si, em proveito próprio, desconsiderando a alteridade e a solidariedade, compaixão e condescendência. Como crianças birrentas, cada um luta por seu próprio brinquedo e, sem compartilhamento, ninguém se diverte.
Quando as crianças resolvem fazer uma “noite do pijama” em que lhes é permitido divertirem-se até altas horas com os amiguinhos e, depois, dormirem nos edredons dispostos na sala, é de bom alvitre que os pais estabeleçam regras claras e não saiam de perto.
Mais ou menos, o que disse o Harari: se não há adultos na sala, a bagunça se estabelece.