Não haverá mais rádio

Descobri que as gerações atuais não ouvem rádio. Preferem as músicas distribuídas por aplicativos de streaming. Não há interferência de locutores pateticamente alegres nem propagandas comerciais repetitivas. A gurizada gosta é de editar suas próprias playlists e não de se submeter às preferências de programadores ou deejays das emissoras. A faixa etária dos ouvintes de rádio está igual ao principal grupo de risco do início da pandemia.

O fim do rádio já foi profetizado a cada nova tecnologia surgida, pelos arautos de todos os fins.Dizem tratar-se dos últimos suspiros da genial invenção do padre Landell de Moura- ou de Marconi, como querem os gringos de outras querências. Nem a televisão transmitida por VHF (aquela dos chuviscos e da sintonia fina) seria o algoz do rádio, como a transmissão digital não o foi.
Mas, agora, preteou o olho da gateada.

Mesmo os ouvintes de notícias e esportes estão migrando para os podcasts, áudios fatiados das programações de rádio ou gravados especialmente para veiculação por streaming. Os estúdios das emissoras de rádio estão cheios de câmeras de alta resolução, transformando programas radiofônicos em televisivos, pela internet. Os comunicadores já não podem tirar tatu do nariz.

Inimaginável para as atuais gerações ouvirem rádio AM ou locutores silvio-santistas, os que se valiam de seus vozeirões ou que forçavam a goela para emularem os tons graves. Millenials e Z generation querem as vozes coloquiais de seus contemporâneos – quando estão muito dispostos a ouvir alguma voz falada – e a sonzeira não aleatória das playlists que editam, e não as escolhas dos tios da rádio.
O rádio talvez não acabe agora, mas está passando por uma metamorfose irreversível. Dele se diz que é o veículo tradicional que mais se adapta às novas tecnologias de comunicação. Possa ser. Mas, rádio é rádio. E o rádio como gerações e gerações se acostumaram a dele não se apartar, já não é o mesmo.
O rádio que mesmerizou multidões desde que surgiu, é aquele dotado de ubiquidade, ouvido em qualquer lugar ao mesmo tempo. O rádio das vozes familiares de rostos desconhecidos. Que se ouve de olhos fechados, na cama ou na rede, ou de olhos arregalados, ao volante. O rádio que estimula a imaginação ao tempo em que informa.

Este rádio original me levou, um guri de voz pubertária, a sonhar em ser um radialista. Um locutor. Narrador de futebol, se possível.

Radinho de pilhas colado ao pavilhão auricular, acompanhava as épicas jornadas esportivas das rádios de Porto Alegre, as reproduzia na solidão – porém, sem muita privacidade – do meu quarto, comparando-me com os locutores locais para medir o quanto precisaria fazer para suplantá-los.
No meu registro profissional está lá: locutor esportivo, locutor apresentador, locutor entrevistador, redator, operador de som. Era um tempo em que se fazia de tudo e se ganhava nada. As funções eram acumuladas para o salário ser um pouquinho melhor. O Polo Petroquímico pagava mais. Bem mais. E, por isto, o sonho durou poucos anos juvenis. Foi bem vivido, se diga.

Preteou o olho da gateada. Parece que o estado atual do rádioé terminal. Tocou para as atuais gerações sacrificá-lo.

Não escutam mais rádio. Não sabem quem foi padre Landell de Moura, Cândido Norberto, Flávio Alcaraz Gomes, Pedro Carneiro Pereira.

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