Estamos todos de luto. Embora nem todos tenhamos nossas casas atingidas pelas águas, ou perdido bens materiais, ou – tragédia maior – entes próximos, estamos todos de luto.
Maria Helena Pereira Franco, Professora titular da PUCSP, fundadora e Coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto – LELu, em artigo para O Mundo da Saúde (São Paulo – 2012), esclarece a causa desse luto coletivo: “No mundo contemporâneo, é possível ter mais conhecimento dos desastres, independentemente de sua natureza, graças aos meios de comunicação e à rapidez com que acompanhamos o fato, seus desdobramentos e as ações de resgate. A agilidade dos meios de comunicação e a quase onipresença da informação, aliadas ao sofrimento humano presente em diferentes escalas, fazem com que as pessoas se sintam participantes e, muitas vezes, também atingidos.”
O luto está entre as emoções mais pungentes que o ser humano pode viver. Ninguém continuará igual após viver um luto. O luto é uma transformação ampla e profunda, muito mais do que uma experiência dolorosa, normal e suportável.
Que luto geral, afinal, é esse que atinge mesmo os que estão mais distanciados da tragédia, e de forma absoluta os sobreviventes diretos?
Diante das tragédias, perdemos a noção de segurança que uma vida planejada e normal nos entrega. Tudo que se havia construído material ou psicologicamente, mental ou espiritualmente, se esvai em um momento inesperado, e já não restam certezas nem convicções que até ontem guardávamos como valores absolutos a garantir nossa permanência existencial. Nosso mundo é presumido, pois sabemos que amanhã levantaremos para trabalhar, beijaremos nossos filhos e tocaremos a vida. Ao fim do dia voltaremos para a ilha de conforto moral e afetivo, chamado casa, ou lar. Ali, faremos ligações para amigos, contaremos sobre o dia e planejaremos o amanhã. Mas eis que chega a roda-viva e carrega o nosso destino pra lá. Não temos mais voz ativa sobre a nossa própria vida. Tudo passa a ser incerto. A roda-viva pode ser uma tragédia climática, como a que vivemos agora.
Collin Murray Parkes, psiquiatra britânico (citado em O Mundo da Saúde, 2012) definiu o que chamou de “mundo presumido” como o único mundo que o ser humano efetivamente conhece, que inclui tudo o que sabe ou pensa saber. Inclui sua interpretação do passado, as expectativas do futuro, planos e preconceitos. Qualquer um desses aspectos terá forçosamente que mudar quando ocorrer uma mudança na vida da pessoa. Ser vitimado por um desastre e, como consequência enlutar-se, coloca em questão muitas crenças básicas, necessárias para garantir a segurança da pessoa, como a estabilidade do mundo, a regularidade da resposta das pessoas.
Para os estudiosos, há uma necessidade de reaprender o mundo após uma perda, a partir da experiência dos vínculos, que pode ser a uma pessoa, a um lugar, a uma família, a uma abstração que construa nossa identidade.
A quebra abrupta do mundo presumido rouba certezas e gera dúvidas cruciais e aflitivas sobre o futuro. Daí, o ambiente psicológico de luto que atinge a toda a comunidade.
Amanhã poderemos ser nós.