Morte, sofrência de quem vive

Por um momento, cessaram-se as guerras lulo-bolsonaristas. O país se uniu para chorar a morte trágica de uma cantora e compositora de milhões de fãs e seguidores.

A sofrência não tem ideologia nem interesses de poder. As dores de amor e desamor castigam a todos, indistintamente.

Confesso que não conhecia a meteórica e estrondosa carreira de Marília Mendonça. Entretanto, desde o momento da queda daquele avião em Caratinga, fui iniciado no movimento que, a partir da cantora, se consubstanciou no chamado “feminejo”, ou feminismo sertanejo.

Do pouco que ouvi, o feminejo tenta ser o contrário do descorno dos machões que se desmancham em lágrimas quando são deixados ou trocados. A femineja não deixa o menosprezo barato e promete não cair em depressão, mas, resolvida, fazer a fila andar. Embora o estilo seja de sofrência, a nova mulher que curte a música goiana não se permite sofrer por homem nenhum. Se preciso, vai ao motel, se desnuda e abre um vinho sozinha, mas não padece pela rejeição.

O homem sempre será a causa da separação. Ou trai ou não valoriza a amada como conviria fazê-lo para a estabilidade da relação. O homem do feminejo é aquele que, pela desídia com que tratou o relacionamento, perda a amada, aconselha o ricardão a tratar melhor a mulher que ainda ama, por que ela merece.

O feminejo caiu no gosto popular. Talvez pelo grande talento de Marília Mendonça em escrever letras com pé e cabeça, quem sabe pelo grande carisma e vozeirão. Bateu recordes de visualizações de seus vídeos nas redes sociais e fez a live com a maior audiência concomitante do planeta. Eu não sabia nada disso e agora sei. Marília Mendonça não passou incógnita por sua curta vida e, na morte, atingiu os desavisados como eu.

Quando uma pessoa popular a ponto de parecer muito próxima se vai tão cedo e de forma tão violenta, damo-nos conta da precariedade da vida. Uma morte assim causa mais comoção do que as centenas de milhares de vítimas da pandemia. Não se trata de um rosto perdido em meio a outros tantos, desconhecidos, desvinculados uns dos outros.

A morte repentina de nossos ídolos faz se desmanchar toda a aura mítica de super-humanos invencíveis e nos devolve à real dimensão da vida: somos húmus. Somos seres-para-a-morte e esta é a nossa angústia.
A certeza de finitude esfregada em nossas caras quando estas tragédias acontecem em meio a uma tarde clara de primavera, inapelavelmente nos leva a aprofundar o pensamento em busca de um sentido para a existência. Haveria uma missão pela qual viemos a este plano executar? E todas as missões são cumpridas ou algumas são abortadas pela queda de um avião que perde sustentação e se espatifa no chão? Ou deveríamos considerar que, além da dimensão física, material, há uma dimensão transcendente, a existência continuada e infinita, independentemente da forma como foi interrompida a “missão” terrena?
Quando um país se pacifica por algumas horas diante da unanimidade de uma cantora popular, é porque ela teria cumprido sua missão.

Nada mais de sofrência. Bastam as causadas pelo desamor.

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