Lobos, ovelhas, pombos e cobras

A beleza e sabedoria dos Evangelhos estão fundadas sobre a simplicidade do personagem neles biografado. Jesus de Nazaré, embora profundo conhecedor das letras e das leis religiosas do judaísmo, se utilizava de expressões e parábolas que pudessem levar o populacho a compreender o fulcro de suas mensagens, ou seja, o que é fundamental e principal para que pudessem levar a vida como a do Mestre, desvestida de glamour e pompa, mas com compreensão profunda da verdade que lhes era apresentada.

Jesus treinava seus discípulos falando a linguagem deles e usando figuras que lhes fossem do cotidiano, a partir de suas experiências, bem antes das teorias de Paulo Freire. Quando os preparava para lhes enviar ao mundo a divulgar o que haviam aprendido, o Mestre se utilizou de quatro animais de espécies diferentes entre si, para lhes advertir dos riscos da missão e de como agir para não caírem em mãos inimigas. Jesus comparou seus seguidores a ovelhas, pacíficas e sem nenhuma aptidão para a autodefesa, que eram enviados para o meio de lobos. Lobos são carnívoros, sabemos. Como forma de evitar – ou retardar –se tornarem presas daqueles canídios, Jesus os aconselhou a serem simples como as pombas e prudentes como as serpentes. As pombas são, dentre as aves, as mais reles e comuns, que não chamam atenção de caçadores nem de observadores de pássaros. Simplicidade para André Comte-Sponville, filósofo francês, “é a vida insignificante, a verdadeira vida”. As serpentes, por sua vez, deslizam cautelosa e disfarçadamente por entre as pedras e vegetação, entocam-se quando necessário, sabendo que suas cabeças estão sempre à prêmio e não é de bom alvitre expô-las às pedras e paus. A prudência não é medo nem covardia. É sabedoria.

Em nossas realidades, entretanto, não é difícil que esqueçamos as virtudes da sabedoria. Dá-se, às vezes, quando nos sentimos autossuficientes e prescindimos do aconselhamento de outros, mais experientes ou sábios. Foi o que aconteceu com a vereadora Camila Oliveira. De posições tão fortes quanto polêmicas – ou, polêmicas por fortes -, Camila se elegeu por defendê-las de modo aberto e sem autocensura, por saber, corretamente, que vivemos em um Estado Democrático de Direito, cuja Constituição prevê a liberdade de expressão e de opinião. Ao gravar vídeos em companhia de duas adolescentes nas dependências da Câmara e divulgá-los em rede social, com manifestações que possivelmente “segreguem, ofendam ou discriminem pensamentos políticos divergentes, sobretudo aquelas que rebaixem a condição feminina”, conforme nota pública do próprio partido Republicanos, ao qual a vereadora é filiada, Camila agiu sem nenhuma reflexão anterior, infringindo normas, leis e códigos. Aqui já não se trata da livre exposição de opinião e não há como justificar como “força de expressão”. O julgamento político ao qual se expôs, embora deva lhe proporcionar o amplo direito de defesa e do contraditório, não faz diferença entre dolo e culpa, o que lhe afasta de pena mais branda que a perda do mandato parlamentar.

Os vereadores que se manifestaram durante a sessão que decidiu pela admissibilidade do processo de cassação do mandato da vereadora, apressaram-se a discorrer sobre suas próprias virtudes e de como são insuspeitos observadores da ética e da moral. Se não são simples por não serem humildes, pelo menos são prudentes.

Camila não agiu como a pomba e nem como a serpente. Deixou-se levar pela gala dos pavões e não cogitou se manter discreta e protegida em seu habitat. Ao cometer o erro, expôs-se aos que têm paus e pedras sempre em mãos – todos nós – e isto pode lhe custar a carreira política.

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