Liberdade, liberdade

Em tempos de revisão histórica e pós-verdades, as coisas se tornaram difíceis e complicadas para nós, os que fomos alfabetizados pelas cartilhas antigas.

O problema é que nos tornamos contemporâneos de duas eras antípodas. A primeira, em que se usavam os livros didáticos de pai para filhos, os quais traziam a solidez pétrea da história, bem definindo os heróis e os fatos incontestáveis que nenhum guri errava ao responder as sabatinas da escola. A segunda era, estaque fluidiza tudo que estava estabelecido.

Dom Pedro era o nosso maior herói, confundido depois com Tarcísio Meira, retratado sobre seu alvo cavalo, espada em riste, peitando o reino português do próprio pai. Peito estufado como o dos pombos, faz retumbar o brado alternativo “independência ou morte”. O Demonão era o nosso herói.

Tiradentes também. O líder dos inconfidentes mineiros foi a primeira reencarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo. Depois veio o Inri Cristo, mas esta é outra história. Retratado com fartos cabelos e barba, vestido de túnica branca – pelo menos quando subiu ao patíbulo -, Joaquim José da Silva Xavier, traído como o mestre galileu, se entregou pela nossa liberdade. Morreu na forca e o corpo exposto, dependurado, guardava alguma similitude com o Nazareno pregado ao madeiro.

Tínhamos nossos heróis prontos a morrer ou mortos pela liberdade da nação, fatos indubitáveis e imutáveis, eternizados por artistas como o pintor Pedro Américo. Gerações conheciam de cor e salteado a história do Brasil e de como fomos livres dos laços que nos prendiam a Portugal.

Então, no início dos anos dois mil, surgem os revisadores da História contando-nos que nem tudo é como nos contaram. De Pedro I, levam-nos a crer que não teria condições de bradar nada retumbante, e que não estava montado em um fogoso puro-sangue branco. O Demonão naquele dia 7 de Setembro estava debilitado pela diarreia que o acometia. Saiu de trás da moita e trepou em uma “besta baia” – uma mula, portanto – para simular a icônica cena pintada por Pedro Américo.

Tiradentes não era de fato o líder da Inconfidência Mineira e nem aparentava o Messias dos cristãos. Foi morto por ser o mais pé-de-chinelo dos inconfidentes. E por aí afora.

A pós-verdade, que se define como um fenômeno da era informático-digital, mostra-se preexistente e se chamava história oficial. A pós-verdade nada mais é do que a crença em versões da história em detrimento de fatos apurados.

O que define a nossa liberdade, hoje, é podermos festejar o bicentenário da independência sob a égide de um regime democrático em que todos podemos ser os protagonistas da história.

Sem querer ser mais um revisionista, acho que os outubros são mais importantes para a nossa independência do que os setembros.

Últimas Notícias

Destaques