Por um destes incidentes da vida, não nasci em Montenegro. A família toda, com exceção do pai, é originária daqui e aqui viveu por toda a vida, com rara exceção.
O fato de meu nascimento não ter sido lavrado em um cartório daqui, não me faz menos montenegrino do que qualquer um de meus conterrâneos afetivos.
Foi em meio às grevíleas que ladeavam as estreitas alamedas do interior do Posto Zootécnico que compartilhei os primeiros anos de vida com irmãos e primeiros amigos, os inesquecíveis. Era à sombra dos cinamomos que deitava em tardes mornas, sobre as leivas de grama plantadas pelo avô, mirando o arco celeste onde pairavam as aves do céu ao sabor de correntes térmicas. Estava no Passo da Cria e ali era o mundo.
Foi em 1972 que ousamos atravessar a Timbaúva para vivermos do outro lado do morro São João. Já tinha idade para entender que Montenegro era maior que o casario de madeira que o Estado cedera aos funcionários ativos da Estação Experimental Zootécnica.
Foi do outro lado da cidade que, enfim, adolesci e tornei-me homem. Por fugazes dias morei em outras plagas, mas sem intenções robustas de por lá permanecer. As aves que lá gorjeiam não gorjeiam como cá.
O apego ao torrão em que nascemos – ou não nascemos, como no meu caso –pode ser chamado de telurismo, que é a influência do solo de um lugar sobre os costumes e o caráter dos seus habitantes. Por isso lhes digo, sou montenegrino. Não há em mim traços alienígenas. Sou montenegrino autóctone. Sou um aborígene. Indígena. Nativo. Sinto-me oriundo da cidade em que não nasci. Sou montenegrino.
Na próxima quinta-feira, dia 5 de maio, São João do Montenegro comemora 149 anos de sua emancipação política. Ano que vem, a efeméride se revestirá de especial significado. Aniversário redondo. Cento e cinquenta anos. Sesquicentenário, substantivo que não era lembrado desde aquele 1972, quando deixei o chão batido e o Brasil celebrou os 150 da Independência.“Sesqui” é latim e significa“um e meio”.
Se, agora, as comemorações serão tímidas como guri criado no Passo da Cria, ano que vem, diz-se pelos corredores do Rio Branco, a data será devidamente reconhecida. Afinal, sesquicentenário é sesquicentenário.
A mim pouco importa se haverá festejos e rapapés ou salamaleques oficiais. O que mais interessa é saber que há Montenegro. Que apesar dos maus tratos políticos e administrativos históricos, a cidade se dignifica no amor que lhe dedicam os locais e os que a adotaram ao longo dos anos.
A respeito capital portenha, o escritor e poeta argentino Jorge Luis Borges (1899 –1986) escreveu que “parece um conto que Buenos Aires tenha um começo. Julgo-a tão eterna como a água e como o ar.”
Não nos parece estranho que Montenegro possa contar a idade? Não nos parece que a nossa cidade sempre existiu e que nos é impossível datá-la? Não nos parece que os acaciais, os laranjais e os frutos mil apareceram neste planeta imediatamente após a água e o ar? E a chamaram de Ibiá, lá no início.