Natal é como estar nas arquibancadas de um campo de futebol com torcida única. Todo mundo torce unido pela vitória, ainda que o time dependa de uma vitória de 9 a zero e de combinações de resultados de jogos alheios para não cair para Série B. Ali há sincero desejo pelo bem comum, fraternidade e comunhão de sentimentos: fé, esperança em milagre que traga a felicidade para toda a torcida, tirando o clube do vale da sombra da morte.
Entretanto, quando o jogo acaba, cada um, e todos, volta-se para as suas coisas, seja qual tenha sido o resultado da partida. Jogo é jogo: se ganha, se perde e se empata, como tão bem definiu o filósofo. E … vida que segue.
São assim todos os eventos que pretendem unir os homens de boa vontade em uma comunidade em uma comunidade universal auto-salvífica.
Quando foram decretados os primeiros isolamentos sociais no início da pandemia de Covid, e se vivenciava a mais absoluta obscuridade com relação ao que nos reserva o futuro, não pouca gente se promoveu a vatehumanista-messiânico de uma nova ordem onde a paz e a solidariedade, finalmente, se fariam para a humanidade, passado o período funesto da peste. Eu, encaixilhado no sofá do meu distanciamento social, entredentes para não sofrer cancelamento, dizia: só piora. Passado o susto, seguiremos os mesmos, ou piores. Não acho que errei o prognóstico.
Então, o natal é esta festa de torcida única que o cristianismo tardio e sincrético criou para substituiralguns rituais cujas perdas foram impostas à religião pagã pela conversão geral compulsória, sob o Império Romano. Com um bom mote, pelo menos no período escolhido, há sinceros esforços para a boa-vontade, capaz de gerar paz, harmonia e senso de fraternidade. Some-se as necessidades humanas de celebrações, por datas, por motivações para o amor ao próximo e para a solidariedade, ainda que imersos em um sistema ímpio e injusto – o reino deste mundo – onde não há lugar nem tempo para a alteridade, empatia, condescendência ou qualquer outro sentimento que não seja autocêntrico, e se obterá um clima… natalino, por assim dizer.
Como a humanidade não é exclusivamente cristã, para a universalização dos propósitos natalinos precisa-se contar com resultados de jogos paralelos. Como o time, aquele. Mas, cada sistema religioso tem suas próprias efemérides, seus profetas, suas restrições a outras formas de pensar a relação entre o humano e o divino, com diferentes propostas para a paz, que não há como possa haver uma combinação de resultados que possa salvar alguém do Z4 e da Série B deste campeonato chamado “vida”.
Assim, o natal, especialmente, e outras datas, servem para a marcação no calendário as épocas anuais em que devemos amar indistintamente, distribuir nossas sobras, enxergar as mãos que se lançam – pedintes – em nossas direções. É a oportunidade para o perdão ensaiado, para os apertos de mãos constrangidos e constrangedores, para uma trégua que se interromperá, desmontada a árvore iluminada.
E, antes que me olvide, a pretensa causa das comemorações natalinas é o nascimento de Jesus de Nazaré, o Verbo que se fez carne e habitou entre a humanidade. O homem que morreu porque pregava o amor e perdão diários, mesmo pelos inimigos, e a não sujeição às atrações desviatórias do propósito maior, a religação com a essência divina: Deus é amor.
Esse Jesus não reivindicou datas, mas vidas.