Em seu poema Seiscentos e sessenta e seis – também conhecido como “O Tempo”-, Mário Quintana (1906-1994) reflete com lirismo a passagem dos anos e o quanto teimamos em procrastinar as coisas da vida, como se a vida própria fosse de duração elástica e pudesse esticar-se a ponto de conter no seu tempo tudo o que as obrigações nos exigissem e os prazeres felizes nos recomendassem.
O poeta compara a vida a deveres que inexoravelmente devemos cumprir em algum momento, mas não agora, pois o que queremos é distração.
“A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa / Quando se vê, já são 6 horas: há tempo… “
A meninice nos regula a passagem do tempo no modo slow-motion e futuro é coisa tão impensável e indizível que mesmo pais e avós não nos poderiam descrevê-lo, por não o saberem. Podemos empurrar modorrentamente com a barriga qualquer afazer para o futuro. São seis da tarde, mas ainda há tempo.
“Quando se vê, já é 6ª-feira…” Os fins de semanas são antegozados, em verdade. O que importa são as sextas-feiras. É quando se comemora o dulcefarniente do sábado e do domingo. Sofremos a pena do trabalho de segunda até sexta, dia internacional da procrastinação. Neste dia, todos os afazeres se mancomunam para arrastarem-se, e ficam para as segundas-feiras da vida. Nada urge para quem tem tempo.
Mas, o que é o “tempo”, já nos perguntamos alguma vez? E, se já nos perguntamos, soubemos responder? Agostinho de Hipona, o Santo Agostinho da fé católica, em sua obra “Confissões”, saiu-se com esta: “Se você não perguntar, eu sei o que é; se quiser que eu explique, eu já não sei mais.” Parece que fui eu que disse. Não pela percepção, mas pela perplexidade que esta gera. Agostinho, parece-me, não está tentando explicar passado, presente e futuro da forma linear como costumamos medir a vida.
Os gregos, talvez, tenham se desempenhado melhor na tentativa de definir “tempo”. Para eles, tempo é chronos e kairós.
Chronos é a medição sequencial e cronológica, racional, que conta as horas, dias, anos, séculos…
Kairós é a forma qualitativa. Trata-se do tempo indeterminado, relativo, que mede os momentos inesquecíveis e de qualidade. Relaciona-se com o que sentimos quando atravessamos determinadas experiências de vida. É o tempo das emoções que, quase sempre, não sabemos explicar.
O que nos ensina a experiência é que inexoravelmente passarão chronos e kairós.
Quintana não quer nos remeter à ansiedade dos que temem o futuro nem à depressão dos apegados ao passado. Com o lirismo dos poetinhas, diz da urgência de vivermos, de não adiarmos a vida, que o caminho é mais interessante do que o destino.
E, tenhamos feito do nosso jeito, não há o que ser reparado.