Às vezes esbarro com alguns leitores destas minhas linhas escritas em um jornal impresso que, como sabemos, não atrai as gerações paridas em meio a lives e selfies e dancinhas de ticktockers. Resta claro que os parcos leitores de que me nutro já têm os cabelos – ou o que resta deles – brancos como as flores dos maricás em vésperas de inverno brabo.
São os remanescentes da época em que bem escrever e interpretar textos era parte da fatiota ou do tailleur, que vestiam de elegância o caráter e o estilo dos viventes. Superior à escrita ou fala denotativamente erudita, só o silêncio, que faz do mais inculto dos circunstantes, um sábio. Silêncio vale ouro. A medalha de prata vai para os que se expressam sem parecer um estrangeiro tartamudo, que se comunica com mímica exagerada.
Depois de milênios de evolução da escrita, a humanidade se volve à era do pictograma, estágio mais elementar da grafia. A tecnologia digital renomeou as coisas, chamando os ideogramas de ícones, emoticons (que são os ícones que transmitem emoções), emojis (a versão japonesa), smileys, etc. Ao parar em um posto de combustíveis na estrada e correr para um mictório (local próprio para homens mijarem em pé), ao passar os olhos para identificar a porta que me tiraria da agonia, lá estava ela, identificada por um pictograma de um bonequinho masculino com os joelhos ajuntados e mãos a apertarem a torneirinha. Captei vossa mensagem, hodierníssimo guru! Imediatamente, meu cérebro leu e interpretou a mensagem. Alivie-se aqui, ó homem a mijar-se.
A linguagem evolui para a abolição da pontuação e acentuação. Em poucos anos cairá em desuso as interrogações, as exclamações, as vírgulas, as reticências… os pontos finais. A gurizada se comunica por aplicativos de textos e não lhes fazem falta estes detalhezinhos. Se estão afirmando ou questionando alguma coisa, não nos interessa. Eles se entendem.
Já ouvi gente mirim renunciar ao curso de Direito, saindo-se com a célebre justificativa de se tratar de um curso em que é necessário ler muito! Que tal Física? Além da obrigação de ler muito, precisa-se calcular muito mais.
Ler assusta. Compreender a leitura custa. E os tempos são outros. A vida não faz pit-stop. Chamam de “textões” o que não passa de um parágrafo. Não dispomos de tempo para ler e interpretar o espírito dos autores. Precisamos de símbolos de instantânea compreensão. Ou que os formadores de opinião nos digam o que significam os fatos, o que nos poupa o pensamento.
Escrever com a intenção de ser relevante, é um exercício de teimosos. Às vezes, o texto se justifica apenas pelo fato de expor vocábulos, palavras, expressões que se estão suicidando diante da inexorável marcha pictográfica da inteligência artificial, retroalimentada pela pressa de se saber de tudo sem se saber de quase nada.
Por isso, quando encontro alguém que lê os meus textos, permito-me orgulhar-me e motivar-me a continuar. Normalmente, são pessoas que ainda marcam o tempo pelos seus andares, pelos seus passitos, sem nenhuma pressa de chegar a algum lugar. Já chegaram. Agora, controlam a respiração e ainda podem ler um bom texto. Talvez, preencham palavras cruzadas.
Esses moços! Se soubessem o que sei, deixariam os emoticons e a linguagem abreviada e sem pontuação.
Esses moços precisam ler e escrever.