A morte do jornalista, escritor e cronista David Coimbra no último dia 27 de maio me afetou, mas não como afetou seus amigos e colegas de trabalho, acostumados a dividirem com ele rodadas de chopes cremosos e discussões sobre futebol, política, literatura e… voluptuosidades femininas. Sequer posso arvorar-me em cronista de suas dores e luta para sobreviver ao câncer. Sou um mero leitor à distância de sua obra e não me cumpre sofrer o que não vivi. Os que privaram da intimidade do David Coimbra, certamente, têm muitas e justificadas razões de chorarem sua morte.
Comecei a ler David Coimbra quando passou a escrever seus textos em Zero Hora, fins dos anos 90. À época, o top of mind da crônica diária era Paulo Santana, que escrevia mal, mas era polêmico, carismático e autorreferente, dono de autoestima invejável. Outro era o escritor Luis Fernando Veríssimo, antípoda de Santana: colorado, de texto consagrado e discreto como um urutau, aquela ave que se disfarça de pau para não aparecer. O Veríssimo se mimetiza na poltrona em que senta.
Em meio a esses vultos, David Coimbra começa a aparecer para o público ledor de textos não jornalísticos de Zero Hora, pois já era um repórter e redator reconhecido nas redações. Como a mim apraz mais a literatura do que a literalidade, sempre que abro um jornal, procuro imediatamente os cronistas da vida comum.
Quando comecei a ler jornais diários, lia – como todo bom gaúcho – a Zero Hora de trás para a frente. Àquela época, quem assinava a penúltima página do jornal era o Carlos Nobre, humorista oriundo do rádio, que nos fazia rir em tempos quando não se falava o politicamente correto. É de Nobre a criação do personagem Negão da Birita, estereótipo de um colorado raiz frequentador da coreia do Beira-Rio.
Quando morreu o Nobre, Paulo Santana, que assinava sua coluna na editoria de esportes, assumiu a penúltima página que já se tornara o local onde os mais lidos escreviam. Foi aí, então, que Santana se tornou o principal colunista do jornalismo gaúcho. No ano em que Coimbra iniciava a atuar em Zero Hora, 1998, Santana escreve sua crônica que teve repercussão nos Estados Unidos, quando o texto “Eu tomei Viagra” rendeu-lhe uma matéria na conceituada revista Newsweek. Davi Coimbra passou a substituir Santana de forma interina quando das impossibilidades do velho gremista. Santana ficou enciumado com o desempenho do novel articulista da penúltima página. Mais tarde, em programa radiofônico, brigaram para sempre. David não era dado a falsas modéstias. Em entrevista disse que sabia que escrevia melhor que Santana e não se deixava levar pela prepotência do desafeto.
Alguma coisa no que escrevia David Coimbra me levava à identificação com o escritor. Deixo-me levar pela torrente das palavras e textos de David. A infância e adolescência no bairro operário do IAPI na capital, que contava em prosas divertidíssimas, eram muito parecidas com as de todos nós. Mas, os fatos e personagens que ululavam em seus anos dourados eram meus contemporâneos, também. Quando contou de um dia em que ele e amiguinhos pegaram carona no Chevette preto de placas 5555 de Paulo Roberto Falcão, encheu-me de inveja, pois Falcão era o meu ídolo e aquele Chevette preto era o carro dos meus sonhos, cumpridos em parte quando meu irmão mais velho, o Paulo, comprou uma chevetera pretinha pretinha.
Quando o David contava do seu jeito suas histórias, empregando a linguagem corriqueira com a riqueza vocabular em um mesmo texto, eu me via ali. Como eu sempre quisera fazer. Escrever sem ser maçante, mas sem esnobar o último rebento do lácio, a língua portuguesa, inculta e bela. Inculta, mas bela.
Não perdi um amigo. Lamento a perda do grande cronista com quem me identifiquei e em quem busco inspiração.
David nasceu em 1962, como eu. Talvez isto explique alguma coisa.