Das Coisas que não serão

Verônica e Geraldo não se viam desde a última vez em que tomaram chopp e dançaram ao som de uma bandinha alemã no Parque Centenário em uma daquelas noites de sextas-feiras do início dos anos oitenta. Estudavam na mesma turma do São João e aquele fora o último dia do terceiro ano do Segundo Grau. Naquela época não existia a já desgastada expressão “sextou”, mas o filme “Até que Enfim é Sexta-Feira”proveu a senha apropriada para as combinações para as festas depois da última aula da semana. Ou para matar as aulas de depois do intervalo com o fim de chegar mais cedo ao parque para a disputa por cadeiras e mesas e rua e entorno do lago e escurinhos providenciais.

Saíam aos bandos os alunos noturnos, encarapitados em motos CG 125 ou em velhos Fuscas de surdinas Kadron e pneus de tala larga, Buarque de Macedo acima. Na ida, loucos de saúde e futuro. Na volta, com os sentidos já entorpecidos pelo chopp da Antárctica, não lhes parecia perigoso contornar as curvas e postes da Buarque em alta velocidade. Verônica e Geraldo – o Géra – estavam sempre de caronas, pois não faziam parte da reduzida cota dos que tinham veículos automotores. Ele pedalava uma Monark Barra Circular, ela uma delicada Caloi Ceci. Vinham para a aula e voltavam nos ônibus da Viação; sentavam-se juntos.

Nunca namoraram, mas havia um evidente carinho entre os dois que permitia-lhes trocar sonhos e pensar o futuro sem segredos. Géra contava, quase em sussurro – talvez para que um possível concorrente não o escutasse – que estudaria muito para participar de seleções de pessoal para a Aços Finos Piratini e para o Polo Petroquímico, ainda um canteiro de obra civil e sem ninguém saber do que se tratava exatamente, mas que se dizia pagava salários muito bons. Talvez quisesse mesmo impressionar a menina com a vontade de um futuro próspero. Verônica ajeitava o cabelo atrás das orelhas sempre que ia falar dos concursos para o Banco do Estado, ou do Brasil, ou para a Prefeitura, que pensava disputar. Gostava de estabilidade; e os salários mais penduricalhos estatais são sempre fartos.

Madrugada alta, quando o restaurante do Centenário fechou e o chopp secou, Verônica e Géra meteram-se dentro do Fusca azul-calcinha do Jorginho – com outros quatro – e os sete apostaram corrida com o Pedro Paulo, o bonitão, que levava três gurias e a irmã em seu Fusca 71 laranja-granada, que ele jurava nunca haver sido táxi em Porto Alegre. Desceram a Buarque em alta velocidade até a Osvaldo Aranha, lado a lado. Ali, o Fusca azul tomou a direita em quase cavalo-de-pau, e o laranjinha passou reto, para os lados do CTG. Foi a última vez que Verônica e Géra se viram.

Dia desses, Verônica descia a Olavo Bilac e ao alcançar a esquina bateu-se com Géra, que caminhava absorto pela Ramiro, rumo à esquina dos bancos. Desculparam-se e se foram. “Acho que conheço essa pessoa”, ambos pensaram, “mas não lembro de onde”.
Agora, nenhum saberá do outro que não conseguiram os empregos sonhados, que seus casamentos não deram certo, mas que deixaram filhos e netos; que a Cor do Som ainda é a banda preferida de Verônica (que amaaaava o Dádi) e que Géra já não canta mais o Chico, meio comunista.

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