Bissexto

Os anos bissextos trazem consigo uma esperança adicional para empreendedores e procrastinadores.

A pseudociência do coaching da prosperidade, versão laica da herética teologia, trouxe ao domínio público expressões quase tão herméticas quanto as corporações profissionais que delas tratam em seus manuais. Se a Psicologia tomou de Hipócrates e Galeno a classificação das pessoas como fleumáticas, sanguíneas, coléricas ou melancólicas, conforme suas personalidades – ou humores-, a inconfiável “programação neurolinguística” – uma das ferramentas do coaching – traduz os termos, metaforicamente, para o reino irracional, tratando-as por tubarão, águia, lobo e gato, serumaninhos com características específicas, que confundem com personalidade ou temperamento. Um “tubarão” ataca como um … tubarão: ágil, pragmático, com sanguínea e sanguinária assertividade. Um “águia”, tem visão ampla e gosta de voar alto. O gato curte diferentes ambientes e é comunicativo (por telepatia, digo eu, um gateiro assumido).

Do rol das doutrinas do coaching-programador-neurolinguista, uma lei garante que todos podemos ser empreendedores, ainda que nos ocupemos de catar latinhas de alumínio para reciclagem. É a forma como encaramos nossas obrigações que nos define como empreendedores ou como meros fazedores de bicos informais. Uma questão de atitude, como diria o Marcos Hans, aquele da BMW tunada.

Os tubarões se dão bem mais rapidamente, tal sua objetividade empreendedora. Os lobos, por metódicos, calculam melhor os ataques e podem adiar seu sucesso. São prováveis procrastinadores, os lobos. Esperam até o último minuto para o ataque.

Assim, sem importar qual o seu temperamento, você deve deixar a vida de empregado e empreender. Basta que saiba tirar o melhor de sua personalidade, ainda que seja um coelho, tímido e medroso.

Foi assim que verbos como “empreender” e “procrastinar” entraram para o vocabulário corrente dos comuns do povo, um – quase – como oponente figadal do outro: quem procrastina não empreende; ou, se empreende, colherá os frutos lá adiante, em outra estação (se mentorado pelo coach, óbvio. E não esqueça da imersão, o evento aquele que custa o budget do futuro empreendimento).Coaching é como o agronegócio: não desperdiça nem o mugido do boi. É procrastinador? Com jeitinho vai.

O que há de fato em tudo isso? O bom senso e a maturidade –sem outras teorias – é capaz de, por si só, nos levar a entender que oportunidades são como vagas em estacionamento de supermercado: diante de uma, ocupe-a; não vá dar mais uma volta buscando por um espaço à sombra. Pode não existir naquele momento. No entanto, devemos aceitar que fazer do nosso jeito – contra corrente – também pode trazer bons resultados. Devemos escolher nosso estilo de vida e bancarmos os resultados dele, bons ou ruins. Às vezes, tubarões erram o pulo. E lobos não correm riscos por conta da pressa.

O ano entrante é um ano bissexto.

Precisamos urgentemente decidir o que fazer com o dia crédito que ganhamos. Aproveitá-lo para fazer ou usá-lo para planejar o que fazer depois do carnaval?

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