Há sempre uma dúvida intoxicando os pensamentos de quem escreve, como eu. Haverá alguém disposto a dedicar-me alguns minutos de seu invendável tempo a ler-me? E, lendo, entrará em acordo com meus pensares ou deles se afastará? Discordando, respeitará o direito de minha livre expressão ou me cancelará, saltando a página dois do Jornal Ibiá a cada terça-feira?
Escrever para um jornal impresso pode não ser interessante em um mundo que se tornou digital e o número de leitores decai a cada ano. Sou um vetusto leitor a quem ainda agrada manusear os suportes físicos de divulgação das letras – jornais e livros–e, sobremaneira, brincar com o vocabulário, o que me faz um ledor e escrevinhador démodé. Antiquado. Obsoleto. Cringe, como definem os pós-Millennials. Adequei-me confortavelmente à leitura e escrita digital, mas o que me aprazé a boa e velha brochura, tangível e cheirosa dos livros, e o exercício de dobras quase origamis que se precisa fazer para ler um tabloide com melhor conforto. Não trato as coisas, entretanto, como uma disputa binária em que telas sensíveis ao toque e papel se opõem com a raiva de Putin e Zelensky.
Como praticamente não há interação entre leitores e escritores de impressos, resta a excruciante dúvida se alguém se interessa por aquilo que escrevemos. Quando republico minhas crônicas em meu perfil do Facebook, poucos curtem ou comentam.
Consola-me o fato de que há possibilidade de que não seja a minha falta de talento o maior motivo pelo reduzido número de leitores.
A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil mostrou que entre 2015 e 2019, a porcentagem de pessoas que se declararam leitoras diminuiu de 56% para 52%. As causas da doença de um paciente – a leitura – que pode estar entrando em fase terminal, têm a ver com a obsessão por celulares e mídias sociais, pela recessão econômica, mas, também, com um viés científico: a neurociência explica como o nosso cérebro tem se moldado para ler cada vez menos.
Para a neurocientista cognitiva americana Maryanne Wolf, autora do livro O Cérebro no Mundo Digital, as telas digitais têm nos acostumado com a prática de “passar os olhos” superficialmente sobre múltiplos textos, habilidade que está se sobrepondo à de ler e entender argumentos complexos, fazer análises críticas e criar empatia com pessoas que possuem diferentes pontos de vista: uma espécie de atrofia na capacidade de ler textos mais longos.
Sem preocupações quanto ao tema, parece-me, vive o economiário e escritor Pedro Stiehl. Ao longo dos últimos vinte anos ocupou-se em escrever A Virgem de Constantino, romance histórico de 501 páginas, lançado em 28 de outubro último, em concorrida tarde-noite de autógrafos. Tratando temas complexos da Idade Média, como religião, iconófilos e iconoclastas, sorvendo o chopp com que Pedro brindou seus convivas, percebi que “A Virgem” não seria de fácil leitura. E não é. O livro deve ser lido com o vagar de quem toma uma variedade de vinho nobre, do qual cada papila gustativa e cada célula olfativa precisa saber, a lhe conferir todas as notas, todos os odores, acidez e adstringências. A leitura planejada para a semana se demorará mais.
Pedro Stiehl é presente nas redes sociais, onde escreve seus “Poemas Da Noite”, talvez para albergar os filhos nativos da era digital, mas não se consola com o capacitismo que a neurociência impinge aos que não se dão ao trabalho da boa escrita e leitura de obras e argumentos complexos.
Pedro não deixa de ser um iconoclasta ao tentar derrubar tão sagrado ícone da preguiça mental.