Um dos benefícios que a leitura habitual e sistêmica nos entrega é a ideia geral –embora superficial– das coisas que compõem nosso universo, seja ele o propriamente dito ou os metafóricos universos que formam o maior dos dons que temos, a vida. Se um vivente quiser se aprofundar em determinada área do Conhecimento, fará por onde, doutorando-se, quem sabe, de modo a saber e socializar o conhecimento para ganho de todos. Os genuinamente modestos dirão que, mesmo doutores, não conhecem tudo da sua área, menos tudo de tudo. São doutores em específico assunto. As leituras e estudos de toda uma vida deram-me visão ampla e geral sobre quase tudo, como a quem admira um sol nascente ou poente, sente o calor e a luz, mas é incapaz de prescrutá-lo, como fazem os astrônomos, e saber dele sobre que gases o compõem, ou de que se tratam as erupçõesque lhe afetam a superfície e mesmo a atmosfera terrestre. É verdade que lemos muito e que podemos formar uma opinião sobre muitos assuntos, e isso nos dá a sensação de sermos pequenos especialistas em muitos âmbitos, esquecendo que um especialista tem uma trajetória de anos de estudo que, entre outras coisas, permite que ele contraste a informação fictícia com a real. Não me sentaria a uma roda de cientistas para deitar opinião sobre qualquer fato do sol ou de qualquer outra estrela, pois só posso lhes admirar o brilho à distância.
A ubiquidade de uma enciclopédia virtual e múltipla, colocou à disposição de todos – cultos e incultos, sábios e estultos –informações genéricas a respeito de qualquer tema, propiciando debates sem sentido e estéreis na maior das vezes. Ninguém mais respeita o notório saber daqueles que de fato sabem. Não se trata mais de receitarmos o Emplastro Sabiá para dores lombares, mas de contraindicarmos vacinas de RNA mensageiro, por exemplo. Estamos sendo formados com louvor no Google.
O fenômeno que permite que alguns se sintam capacitados a questionar de igual para igual um especialista após uma pesquisa superficial e parcial do assunto que esse especialista estuda há anos não é novo, mas a Internet possui o condão de colocá-lo em órbita.
De acharmos que conhecemos de tudo, advém a noção de que devemos ter opiniãoformada sobre tudo. E, alguns, não se fazem de rogado aoaplicarem seu precioso tempo a discorrer sobre medicina, astrologia, geopolítica ouvida sexualdos bonobos.
São os chamados ultracrepidários. O palavrão significa “que ou quem dá opiniões sobre um assunto que desconhece, ou pouco conhece”. Tem origem em uma locução latina (“Ne sutor, ultra crepidam”) que, literalmente, diz: “Não vás, sapateiro, além das chinelas”. Gottfried Wilhelm Leibniz (filósofo alemão – Séc. XVII) concordava: “Temos sempre a melhor opinião sobre as coisas que não conhecemos”.Em tempos de exposição social cibernética, a noção de que não dominamos quase nada do que nos é proposto discutir, pode nos poupar de alguns dissabores.O vexame, por exemplo.
Há muito sapateiro opinando sobre tudo.