Nas últimas semanas a cidade viveu momentos de profunda violência. As vítimas, todas jovens. Tiro da polícia, acidentes automobilísticos e suicídio encurtaram a vida de pessoas que tinham a perspectiva de incontáveis dias. Ao contrário da pandemia de COVID-19, seletiva e eugênica, que carrega consigo idosos e comórbidos, a violência, seja ela de que natureza for, busca os meninos.
A vida parece já não ter em si os atrativos que poderiam tornar emocionante um dia de sol ou de chuva, um dia de rotina ou um dia de cão. Buscamos, sempre, outras fontes motivacionais para suplementarmos a energia vital, o prazer orgânico ou psíquico da existência. Não nos basta simplesmente existirmos, há que haver adrenalina envenenando o sangue.
Não podemos ceder à possibilidade de sermos mais um na fila do pão. Temos a necessidade de nos destacarmos e de sermos aceitos em uma sociedade ímpia e metida em toga de juiz.
E quando nossas expectativas de prazer ininterrupto são quebradas, quando a realidade nos assovia de longe, quando desilusão nos assalta, normalmente não estamos preparados para a decepção.
Sempre prontos para julgar as motivações alheias, mas insensíveis a ponto de não considerarmos saber o que se passa na alma e no cérebro de um jovem, vamos servindo de prancha, de onde se joga gente ao mar.
A depressão, dita mal do século 21, tem nos roubado a gurizada, gente muito nova, cujos fardos lhes parecem pesados demais para carregarem.
Não é diferente do depressivo aquele que se encarapita em uma moto e sai em desabalada carreira, pondo-lhe a polícia no encalço. Ou alguém que se vê invencível em um cockpit de automóvel. Não é diferente do depressivo o que busca no quimismo do álcool e de outras drogas motivação para viver.
Estão em busca de sentido para a existência e não compreendem que a existência tem o sentido que lhe dermos.
Deliberando não mais viver ou se expondo aos riscos que lhes podem matar (suicídio culposo?), estão, na verdade, suplicando reconhecimento.
Deixo para a Psicologia analisar as causas particulares de cada um, mas ouso desconfiar que os doentes não tem a percepção do mal que lhes aflige. Para buscarem tratamento, dependem do olhar e sentir dos de fora de suas carapaças, nós outros. Essas pessoas emitem sinais, seja de tristeza profunda ou de excitação desmesurada, de silencioso recolhimento ou de ruidosa exposição.
Quase sempre estamos internados em nossos próprios porões e não percebemos a dor que punge nas mentes de nossos circunstantes. É preciso que alguém nos observe, também. Somos sujeitos às mesmas paixões.
A cidade se enlutou porque seus filhos estão morrendo cedo. Não é só caso de polícia. É de saúde mental.
Parece cocaína, mas é só tristeza. Talvez nossa cidade.