Costumo passar os olhos diariamente pelo The New York Times online, por dois motivos explicáveis. O primeiro é manter-me familiarizado com a língua de Shakespeare (hoje, o Bardo de Avon talvez não reconhecesse o Inglês, especialmente o americano). O segundo motivo é o vício de beber diretamente da fonte as notícias e comentários internacionais, porque é a imprensa americana, mormente, que pauta a imprensa nacional.
Repasso as várias editorias e sessões do jornal com o fim de apreender termos e jargões, aqueles termos específicos de cada área. Então, vagueio o olhar sobre os textos de notícias americanas, mundo, negócios, arte, família, opinião, lifestyle. Foi nesta última sessão – Estilo de Vida – que tive a atenção capturada, outro dia, por um título que me levou a ler todo o artigo. “Are You a ‘Floor Person’? Why Lying on the Ground Feels So Good” (Você é uma“pessoa de chão”? Por que deitar no chão é tão bom?”- (Google tradutor facilita-me pensar).
Ao conferir de que se tratava a pessoa do título e responder mentalmente às perguntas retóricas do texto (“Você gosta de deitar no chão de vez em quando?Você é uma “pessoa de chão”? Você gosta de sentar ou deitar no chão, mesmo quando há um sofá, cadeira ou cama confortável por perto?”), achei-me ali. Mas, concedo, já fui uma melhor “pessoa de chão”.
Segundo a matéria, embora não haja um corpo de pesquisa que demonstrem os benefícios de deitar no chão, psicólogos e terapeutas holísticos recomendam que passemos um tempo no chão para relaxamento e como forma de retardar pensamentos ansiosos. Falam de nos sentirmos “aterrados”, o que entendi ser uma forma de descarregar energias para o solo.“Quando você se deita de costas, sua postura é aberta e relaxada, o que pode ter um efeito calmante”, disse a psicóloga clínica Ellen Hendriksen, de Boston. Não sei se a Ortopedia se harmoniza com as opiniões dos terapeutas, mas concordo com estes: nunca tive dores esquelético-musculares quando descansava de costas em pisos duros. Só paz e sossego.
Passei parte da vida deitado em assoalhos das nossas casas. Os motivos eram vários, mas a sensação de paz e conforto me levavam a suspirar de contentamento. Quando os verões não se vergavam para as frentes frias fora de época, um assoalho de madeira (e de pisos; por que não?) era tão aprazível quanto um colchão inflável boiando em piscina. Nos invernos, não me incomodava quando tocava aos menores dormirem no chão para dar cama aos maiores. Entre a precariedade de um catre e a solidez do chão, preferia o segundo.
Era deitado de costas nas leivas de grama plantadas pelo avô, à sombra dos cinamomos, que a monotonia entorpecente da sesta infantil me atirava aos sonhos e devaneios. Era deitado de costas em relvados ou em assoalho de tábua que viajava no tempo para frente e para trás e, em visão baça, me entrevia em realidades imaginosas que me davam fuga das coisas que eu não podia entender, menos remediar. Deitado de costas no chão, sem a maciez das almofadas, o eu-guri se via ovacionado em estádios de futebol, logo eu, que não sabia bater de chapa, só de bico. Eu, que era o último a ser escolhido para jogar bola.
Deitado de costas em assoalho de tábua, o adolescente tímido, de autoimagem desfocada, ensaiava mentalmente aproximações e namoros que nunca haveriam.
Adulto, quantas vezes procurei a dureza e frieza do chão para entender as circunstâncias que definiam o meu eu, se o filósofo estava certo.
Para mim, o deitar-se de costas no chão sempre foram momentos de devaneios, introspecção e agudização do pensamento. E nunca doeu a coluna.
Quando foi que eu parei de deitar no chão, meu Deus?