A Aurora da minha vida

Dois dos meus aniversários ao longo de meus dias foram intimamente marcantes: o primeiro, dos doze anos; o outro dos vinte.

Ao completar vinte anos, resolvi sair da casa dos pais e dos irmãos (os que ainda não haviam saído). Era radialista e na cidade havia uma só emissora, um mercado reduzidíssimo para quem pretendia viver do rádio, a mídia que desde então vem desaparecendo à míngua. Naqueles tempos, a maioridade– idade na qual nos tornamos plenamente capazes para os atos da vida civil, sem necessidade de tutores ou representantes – se iniciava aos 21 anos, mas a ilusória independência – um ano antes – é que era uma juvenil transgressão. Não fiquei muito tempo fora, mas o definitivo corte do cordão umbilical, o emocional, deu-se aos vinte anos.

Do dia 12 de março de 1974, entretanto, completando doze aninhos, é que guardo a mais terna recordação de todos os meus aniversários. Estávamos passando por luto do avô Oscar, falecido em janeiro daquele ano. A mãe, sentada na cadeira de preferência da avó, me chamou para dar os parabéns. Desculpou-se por não poder me dar um presentinho, mas me abraçou e desejou-me as melhores vontades que uma mãe pode ter para seus filhos, que se cumprissem ao longo da minha vida.“Doze anos! Já és um homenzinho. Quem sabe hoje não esteja nascendo a tua esposa! Teu pai tem doze anos mais do que eu.”Desvencilhei-me, arredio, daquele abraço que, não sabia o quão, passaria a me faltar onze anos depois, em treze de março de 1985, passados apenas minutos do meu aniversário (a este, prefiro esquecer).

Aquele vaticínio materno pareceu jamais se cumprir, pois que a vida toma inauditos rumos, completamente avessa aos nossos quereres. Somente aos vinte e nove anos, e já com uma filha crescendo, lembrei das palavras da minha mãe que, entendi então, eram premonitórias. Foi quando Andréa, doze anos mais nova, interrompeu minha trôpega caminhada em busca de uma estrada feliz para a vida. Aos trinta e três anos casei-me com a mulher que me faria compreender como duas pessoas podem se amalgamar em uma só, mantendo-se, entretanto, cada qual um ser indivíduo, com suas virtudes e idiossincrasias próprias, mas em espiral ascendente e constante de aperfeiçoamento pessoal e do casamento. Foi bênção de mãe.

Assim que, de todos os aniversários passados, incluindo os infantis, poucos poderiam ser emblemados como “inolvidáveis”. No mais, são alguns cumprimentos sinceros, outros em protocolares.

Para as pessoas em geral, os aniversários são o anúncio oficial de que se caminha para a decrepitude, para a senilidade, para a fealdade da falta de colágeno, para a morte, ao fim. Surgem eufemismos politicamente corretos como a tal “melhor idade”, por exemplo, a tentar nos fazer ver o copo-meio-cheio de quem só enxerga o vazio à sua frente. Várias áreas da Ciência buscam com frenesi a fonte da juventude e enriquecem laboratórios e consultórios.

Aos vinte anos pensei que fosse livre. Mas foi aos 12 que minha mãe me desejou um casamento que me fizesse viver mais e melhor. É Andréa quem me arranca do sedentarismo envelhecedor e assassino. É ela quem me faz tomar dois litros de água por dia.

Hoje, se os algoritmos das redes sociais ainda não lhes informaram, estou de aniversário. E, cinquenta anos depois, posso lhes dizer: desejo de mãe sempre se cumpre.

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