Eu cresci vendo os desenhos da Disney. Até hoje ainda gosto de rever os clássicos da minha infância e assisto tudo que eles continuam inventando. E é muito legal ver a evolução dos desenhos da minha geração para os desenhos dessa. Hoje, mesmo que as histórias não me encantem tanto quanto as antigas, é bom ver que os desenhos começaram a tratar – ainda que de forma tímida – de temas vitais como o empoderamento feminino, racismo, a igualdade de gêneros, diversificação cultural e a tolerância. Nessa onda de atualização, a Disney começou a criar versões em live-action (com atores) de seus clássicos animados. Nas releituras, foi muito bem com o Mogli (2016), de Jon Favreau, mas só conseguiu colocar essa nova premissa de trazer à tona debates importantes em A Bela e a Fera, que estreou no Brasil semana passada.
Para os fãs do desenho de 1991, a versão em filme é um deleite. Tudo que tem que estar lá está. E de uma forma muito bonita, muito cuidadosa. O elenco é excelente. Emma Watson nos dá uma Bela mais forte que a do desenho. A personagem continua sendo a “estranha” de seu vilarejo por ser apaixonada por leitura, mas mostra que é mais que isso quando, por exemplo, tenta ensinar uma menina a ler ou tenta fugir de seu cárcere no castelo da Fera. Gaston (Luke Evans) e LeFou (Josh Gad) são o ponto alto do filme. E é o hilário baixinho que traz a principal discussão e polêmica do longa. LeFou, claramente, sente por Gaston uma atração além da idolatria do desenho. O vilão até retribui de certa forma, mas mantém o estereótipo de machão arrogante. Finalmente a Disney mostra abertamente que um personagem é homossexual, mas faz isso de forma sutil e divertida. Poderia ter ousado mais, mas já é um grande avanço.
Os objetos animados do castelo da Fera também vão muito bem, com destaque para o Lumière, dublado por Ewan McGregor. O Horloge, dublado por ninguém mais ninguém menos que sir Ian McKellen, poderia ser melhor aproveitado por ter um ator tão icônico lhe dando vida. A Fera, criada com computação gráfica em cima do ator Dan Stevens, é bem feita, mas peca por não ser nada ameaçadora, diferente do desenho. A transição dela de monstro para um ser bom e gentil me pareceu repentina demais. Aliás, esse é um problema que se repete em algumas outras passagens, como o primeiro encontro entre Bela e Fera e a fuga dela do castelo.
Mas dá pra perdoar essa “pressa” pelo cuidado que tiveram com as canções. Enquanto o filme de Mogli trouxe só dois números do desenho, A Bela e a Fera tem todas as músicas originais em sua versão filme. E todas estão sensacionais. Para dar uma cara ainda mais musical que a versão de 1991, três novas músicas foram acrescentadas, o que é arriscado em um musical já consagrado, mas as composições se saem bem. Uma delas, apesar de muito bonita, me soou um tanto artificial sendo cantada por um personagem feito em computador.
A história, naturalmente, é a mesma, mas o roteiro acrescenta algumas coisas e modifica outras. Nada que comprometa, mas os mais saudosistas e chatos, como eu, vão estranhar um novo objeto mágico que surge do nada, com muito potencial para ser importante na trama, e no final das contas presta só pra resolver uma dessas situações que foram acrescentadas. Resumindo: os excessos não fizeram diferença alguma.
A Bela e a Fera cumpre o que se propõe a fazer – transformar o desenho em filme – e vai além, trazendo mais um tema importante para essa nova geração de filmes da Disney. Um grande acerto da turma do Mickey e um belíssimo clássico que ganha vida nova para reencantar a minha geração, que assistia ao desenho em fita, e encantar as novas, que nem fazem ideia do que é um aparelho VHS. E pra ver se tu concordas comigo ou não, nem precisa sair da cidade. A Bela e a Fera estreia aqui em Montenegro na quinta-feira, dia 23, no Cine Mais Arte Tanópolis. Eu, com certeza, vou assistir mais uma ou duas vezes.