Voltando para casa

Há alguns dias regressei para minha casa, após a conclusão de uma reforma. Talvez nem tão grande a reforma, mas que mexeu com algumas estruturas, mexeu.

Fiquei fora por cerca de quatro meses. Quase o mesmo tempo em que estive afastada desta coluna. E não apenas afastada da coluna, mas da escrita. Sem escrever nada. Mais de quatro meses de abstinência, de reclusão. Como uma casa trancada, fechada em mim mesma. Apesar de nunca ter pensado em parar definitivamente de escrever, em vários momentos eu tive o impulso de retornar e vacilei. O medo de perder o jeito, a inspiração, o que quer que fosse, ou o mais simples e puro medo, me impediu até mesmo de pegar a caneta.

É preciso coragem para voltar.

Agora, acredito, estamos prontas. Eu e a casa. Acontece que voltar, ainda que seja para uma velha casa nova, requer cuidado. A sensação do reiniciar, nos primeiros dias após os projetos refeitos, é de pisar em território desconhecido. Há necessidade de seguir com cautela. Nos meus textos também sei que vou tropeçar novamente, seguindo os primeiros passos de um novo caminho.

Percorrer o pequeno corredor entre os quartos é voltar às antigas sensações, fechando as portas que permaneceram entreabertas e pontuando tudo o que carece de final. Observar o paradoxo existente entre os armários e páginas vazias e todo o preenchimento que mal cabe em mim. Aquela urgência e necessidade de outrora, eloqüente e arrebatadora como são as partidas, faz dos dias de regresso, dos dias vindouros, todos eles, tão singelos, e tão ternos, como pequenos buquês. Colhidos um a um, ali, do próprio jardim.

Vazios são preenchidos, quando se está voltando para casa, pouco a pouco, por mobília e palavras. Por lembranças, como um perfume com nome de lar. Seja o aroma do café, o cheiro do pão.

No meu quarto mudaram as cores e alguns lugares, mas o essencial continua ali: o São Francisco dormindo ao lado da cama e alguns livros. Em um deles, o texto A Casa Materna, reiterando que “Há, desde a entrada, um sentimento de tempo…” Na minha casa inteira as paredes, antes neve, agora gelo, ainda são as mesmas e também abrigam o mesmo sentimento, transcendendo a distância que vida e morte nos impõem. As estantes e as páginas carecem de novidades. E minhas recordações, aos poucos, traduzirão um pouco de mim.

Tornar a escrever também é voltar para casa e, pensando no assunto desta primeira coluna, admito que me senti um pouco perdida; afinal, o macro e o micro não são mais os mesmos de meio ano atrás.

Olhar para fora é testemunhar um mundo novo. Olhar para dentro (de mim, da casa), também.

Voltar só reforça a certeza de que tudo mudou.

Mesmo que eu me sinta em casa.

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