Morremos mais facilmente no inverno

Morremos mais facilmente no inverno, li, certa vez, num texto do Caio Fernando. E, mesmo não lembrando bem quando é que foi, eu lembro da sensação de, naquela hora, e agora, que escrevo,com maior intensidade ter pensado que a leitura seria uma forma de não morrer.E não é?
Ainda assim, e apesar da semana que passou não ter iniciado tão gelada quanto encerrou, o frio percorreu a minha espinha quando me deparei com um dos vídeos“Quanto custa o outfit”, onde, inspirados num programa britânico, jovens ostentam peças caras. Para nossa sorte, esse foi apenas o estopim de uma ideia que viralizou, através de memes e brincadeiras, estimulando o consumo consciente e solidário; inclusive na campanha do agasalho desse ano aqui no estado.
Morremos mais facilmente no inverno, pondero, enquanto aumento a temperatura do quarto. Bendita calefação! Maldita a hora em que o pessoal optou pela serra no feriadão!
Morremos mais facilmente no inverno, temem os desabrigados, sonhando com teto, noites de verão e dias sem chuva.
Morremos mais facilmente no inverno, calculo, ao mesmo tempo em que fecho outro pacote fadigoso para as férias de julho no Nordeste.
Morremos mais facilmente no inverno, relaxo, com meus pés aquecidos em frente à lareira, sob uma manta de pele, assistindo amais uma fascinante reportagem sobre Bariloche.
Morremos mais facilmente no inverno, me dói, na medida em que curo os beiços queimados pelo creme tailandês de abóbora com uma taça de vinho australiano.
Morremos mais facilmente no inverno, absolvo minha consciência com duas Ave-Marias e o descarte de dois casacos manchados, abrindo espaço no armário para a nova coleção.
Morremos mais facilmente no inverno, percebem os meninos franzinos, quando tremem, não apenas de frio, mas a falta da droga, viciante desde o ventre materno. Meninos franzinos morrem de frio, de fome, morrem do vício; matam a ausência do ventre materno todos os dias, ou mais facilmente no inverno?
Morremos mais facilmentequando ensurdecemos à voz da solidariedade, que desvanece, pouco a pouco, por aqui, dentro da gente. Todos os dias, não importando qual a estação.

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