Venho vindo de longe e muito tenho que andar
Por isso peço, patrão, um lugar para pousar
Chegue seu moço e apeie, puxe o pingo pro galpão
Neste rancho de gaúcho tem pousada e chimarrão.
Oh de casa, oh de casa
Quanta alegria se sente quando alguém nos recebe
Oh de casa, oh de casa
E no dia seguinte a jornada prossegue.
É impressionante como certos cheiros, sons, expressões e imagens conseguem nos transportar rapidamente para o passado. Não sei se acontece apenas comigo, mas algumas músicas têm o poder de me arremessar de volta para a infância. Talvez por ser um dos momentos mais leves da nossa existência, longe das preocupações com boletos, com a sordidez humana e com os rumos da Democracia. Um exemplo são os versos que abrem este texto, partes da inesquecível “Oh, de casa”, composição dos Irmãos Bertussi lançada em 1972, coincidentemente, ano em que nasci.
Meu primeiro contato com a canção se deu no começo dos anos 80. Na época, eu e minha irmã gêmea – a outra, mais velha, trabalhava fora e residia na cidade – éramos alunos do antigo primário na então Escola Estêvão Inácio, em Campo do Meio. Como a família sempre viveu da agricultura, a rotina em casa iniciava muito cedo. Mesmo no mais rigoroso inverno, com a grama coberta de geada, por volta das 6h, os adultos, depois do primeiro chimarrão do dia, iam para o galpão tratar os animais e ordenhar as vacas. Nesse momento, a mãe nos acordava e, enquanto eles saíam para dar conta das primeiras tarefas, tínhamos de levantar, arrumar nossas camas, fazer a higiene pessoal e nos vestir para, mais tarde, seguir para a aula. Quando eles retornavam, a gente tomava café e saía.
Ocorre que, lá em casa, sempre se ouviu rádio. Música e notícias. E, há 40 anos, a América tinha um programa tradicionalista a partir das 6h, comandado pelo locutor Adelmo Bolba. A vinheta de abertura era um trecho dessa música, que começava com um latido de cães anunciando a chegada de um visitante. Então, no meu subconsciente, o “Oh, de casa” dos Bertussi era a senha para pular da cama e encarar o novo dia.
Muitos anos depois, já profissional do Jornalismo, tive a chance de entrevistar o Bolba e escrever sobre a sua trajetória como artista e locutor. Aproveitei a oportunidade para contar de que forma ele fez parte da minha infância. O veterano dos microfones se emocionou e percebi o quanto sentia orgulho do seu trabalho. Fez por merecer cada aplauso.
Não sou o que o senso comum define como “saudosista”, mas a vida anda tão complicada que, às vezes, as recordações da infância parecem um excelente refúgio. Talvez seja a única fase em que a gente não tem, de fato, grandes obrigações e responsabilidades. Por isso, é tão importante proteger as crianças. Infelizmente, nesta semana, falhamos inapelavelmente em nossa tarefa. Um menino de 11 anos e um bebê de apenas nove meses foram mortos por familiares em nosso Estado. Um dos crimes foi na cidade de Planalto e o outro em Erechim. Nessas horas, uma fuga no túnel do tempo parece ainda muito mais atraente, só que não podemos dar as costas à realidade. É preciso brigar por Justiça até que se consiga inventar uma vacina contra a estupidez e a maldade dos adultos.