Confiança e vigilância

No Dicionário, a palavra “Confiança” é apresentada como um substantivo feminino, que designa o sentimento de quem acredita na sinceridade de algo ou de alguém; a crença na retidão moral, no caráter e na lealdade de outra pessoa; a disposição ou tendência para ver tudo pelo lado bom; esperança. Na Psicologia, pode ser entendida como “um estado que se caracteriza pela intenção de aceitar a vulnerabilidade, com base em crenças otimistas a respeito das intenções do outro”.
Ao longo de toda a vida, somos estimulados a confiar. Primeiro, nos pais, que estarão juntos para impedir nossos tombos e prontos para nos estender a mão em caso de necessidade. Depois, nos demais familiares, nos amigos, nos colegas, nos chefes e nos governos. Afinal, de que valeria o voto se não fosse para escolher aqueles que podem fazer por nós aquilo que acreditamos ser o certo, o melhor para a nossa comunidade? O problema é que, nessa jornada, muitas vezes somos traídos, a ponto de até mesmo perder a fé na humanidade e dar as costas às responsabilidades que a verdadeira cidadania impõe.
No último domingo, o programa Fantástico, da rede Globo, deixou os brasileiros perplexos ao contar uma história sórdida envolvendo o médico e prefeito de Uburetama, no Ceará, que há décadas cometia abusos sexuais contra suas pacientes e os filmava. “Ele me mandou ficar com a língua para fora e os olhos fechados. Quando percebi, ele tinha colocado o pênis na minha boca”, denunciou uma das vítimas. Outra revelou que teve os seios sugados, sob o argumento de que isso era necessário para “retirar secreção” e medir a sensibilidade.
José Hilson de Paiva tem 70 anos e suas atividades criminosas ocorriam há pelo menos três décadas. Atualmente prefeito da cidade pelo PCdoB, ele já havia exercido o cargo antes e também foi vice quando a sua esposa comandou o Executivo. O curioso é que ocorreram denúncias no passado, mas ninguém se deu o trabalho de apurá-las. Poderoso, o criminoso pressionava as vítimas e até processou algumas delas que, sem provas, tiveram de recuar. Desta vez, porém, há um farto material comprobatório, produzido pelo próprio monstro, para deleite nos momentos de “folga”.
Não é o primeiro caso. Nos últimos anos, foram vários, do médico paulista Roger Abdelmassih ao líder espiritual João de Deus, sem falar em astros de Hollywood, como Kevin Spacey, e o ator da Globo, José Mayer. Os malditos estão em toda parte. O que mais incomoda nos crimes ocorridos no Ceará é que o agressor tinha uma dupla responsabilidade: a de cuidar da saúde das pessoas e a de garantir o bem-estar da comunidade. Ao agir como um predador, é duas vezes bandido.
A multiplicação desse tipo de crime está ancorada em vários fatores, mas salta aos olhos a falência da Educação, que não consegue dar a muitas jovens e mulheres informações suficientes para saberem quando são vítimas de abusos. Desta vez é num consultório médico, mas ocorre todos os dias em milhares de casas e empresas. Então, quando vejo correntes políticas e até mesmo religiosas defendendo o fim da educação sexual nas escolas, que já é restrita, tenho a certeza de que algo muito errado está acontecendo nesse país.
Confiar é preciso, mas fica cada vez mais difícil. A crença nos bons sentimentos precisa ser acompanhada de uma vigilância atenta e de um espírito justiceiro implacável. Os monstros estão à espreita.

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