Para muitas pessoas, conjugar nunca foi tarefa fácil.
Não me refiro à simples tarefa da “decoreba”, feito tabuada aprendida pela repetição. Aliás, entender é um dos grandes desafios humanos. Em qualquer nível: entender o outro, a vida, a si.
Há quem diga que conjugar verbos é coisa simples. Nem sempre é! Conjugar é a arte de colocar cada ação em seu devido tempo e atribuir o justo sujeito; daí se torna autoexplicativo o motivo de tanta dificuldade. É preciso domínio do tempo e dos atos. E sempre há dependência do terceiro elemento. Este, talvez, o mais importante: reconhecer o sujeito. Através dele, o verbo se molda.
A “prima matéria” do trabalho psicológico reside na escuta. Neste fazer através da “escutatória”, como brilhantemente escreveu Rubem Alves, é que a Psicologia proporciona um encontro com o sutil universo das conjugações. Não se trata de um privilégio, mas de uma prática do “bem ouvir”.
No mundo psíquico, entre o “Eu”, o “Ele” e o “Nós”, há um longo caminho. Não bastasse, na maioria das vezes, se apresenta distorcido.
Ao apontar o(s) outro(s) (Tu, Ele/Ela/Você, Vós, Eles/Elas/Vocês) como “culpado(s)” por tudo o que acontece, se perde o poder sobre a ação da própria vida. Se é o sujeito que “torce” o verbo, mudar o sujeito pode transformar a relação com a ação.
Em terapia, com algum esforço, se consegue avançar a “conjugação” do “Ele” para o “Nós”. “Nós fizemos”, “Nós erramos”, “Nós deixamos de…”. Um “responsabilizar-se” ainda “tímido” e “diluído” no outro. Desta forma, se assume uma parcela (muito pequena) pelo estar, pelo ser ou pelo fazer.
O ponto chave da conjugação deve almejar o “Eu”. Este sujeito, entretanto, permanece por muito tempo “ausente” ou “oculto”. Raramente é reconhecido. Nele está o poder da conjugação. Quando o “Eu” assume suas falhas, ações ou omissões, pode restabelecer a si sua autonomia.
Não cabe ao outro o poder de nos “conjugar”. Afinal, quando reconheço o “Eu”, estou livre para um novo “conjugar”. Mesmo que não reconhecido, toda conjugação inicia pelo “Eu”. Um “Eu” que não conjuga não se move; não vive.
O filósofo Nietzsche dizia que cada pessoa tem que escolher o quanto de verdade consegue suportar. Então, vamos conjugando como podemos. E, realmente, podemos escolher viver no passado, presente ou futuro. Estar no centro ou à margem da nossa própria história.
Um “bem conjugar” sempre inicia pela autoescuta. No universo psíquico, um “Eu presente” sempre tem mais poder do que qualquer sujeito em qualquer tempo. Paz e bem!