Residência do Presidente – 25/05 às 20h34
– Como me saí na tevê, Marcelinha?
– Arrasou, Mimi!
– Já disse pra não me chamar de Mimi. Esse diminutivo me inferioriza.
– Sim, Michel.
– Gostou de me ver endurecendo?
– Adoro quando você endurece. Deveria fazer isso mais vezes.
– Espero não precisar mais fazer isso.
– Você não entende indireta mesmo…
– ???
– Deixa pra lá. Fale-me mais sobre o seu endurecimento em cadeia nacional.
– Não tive escolha. Depois de muita negociação, conseguimos convencer alguns representantes dos caminhoneiros a assinarem nossa proposta. Mas o Padilha e os outros foram frouxos na hora de ressaltar que os grevistas liberassem as vias.
– Nunca gostei deles.
– Nem eu, mas enfim, os grevistas são assim mesmo. Então, tive a coragem de puxar a responsabilidade; convoquei o pronunciamento e fui enérgico, ameaçando usar as forças federais para desbloquear as rodovias.
-Vai usar o exército?
-Vou usar as “forças federais”. O que são essas forças federais vai depender da imaginação de cada um. E digo mais! Falei que apenas uma minoria radical ainda está bloqueando tudo, inclusive aqueles que querem continuar trabalhando com seus veículos.
– Isso é verdade?
– Agora que eu disse; é.
– Meu dono da verdade. Vamos lá pro quarto. Você me propõe um acordo, eu rejeito os termos e então você endurece comigo…
Residência do Presidente – 27/05 às 22h8
– Isso são horas de chegar em casa?
– Trabalhei o dia todo, Marcelinha.
– Num domingo? Nem dá pra acreditar.
– Temos pressa. Os caminhoneiros não desistiram.
– Ninguém mais se surpreende com as suas “endurecidas”.
– Realmente, não teve o efeito desejado. E hoje foi um sufoco. Até tirei a gravata. Além da Cide e do PIS/Cofins do óleo diesel.
– Não podia ter feito isso logo, na quinta-feira?
– Ameaçar com as “forças federais” era mais barato.
– E que história é essa de se preocupar com galinha e porco? Podia ter falado apenas sobre o risco de morte nos hospitais.
– Veja bem! Eu falei sobre isso, mas esse argumento não se sustenta, porque eles se deram conta que a falta de remédios e insumos nos hospitais não é de hoje. Tive que apelar para o bem-estar animal.
Residência do Presidente – 28/05 às 7h39
– Acorda Michel! Vai trabalhar. Os caminhoneiros continuam parados e o desabastecimento chegou até nós. Seu remédio terminou.
– Qual? O do coração? Da coceira nas mãos? Ou da memória? Ou aquele outro que não me lembro agora? Ou…
– O azulzinho aquele…